"Estou falando com as paredes", diz Lacan, e isso significa: "Nem com vocês, nem com o Outro maiúsculo. Estou falando sozinho. É precisamente isto que lhes interessa. Cabe a vocês me interpretar."
Essas paredes são as da Capela de Sainte-Anne. Nelas Lacan reencontra sua juventude de interno em psiquiatria. Diverte-se, improvisa, deixa-se levar. A intenção é polêmica: os melhores dentre seus alunos, cativados pela ideia de que a análise constitui o vazio de todo saber anterior, haviam erguido a bandeira do não saber, tomada emprestada de Georges Bataille. Não, diz Lacan, a psicanálise provém de um saber suposto, o do inconsciente. Acede-se a ele pelo caminho da verdade (o analisando se esforça por dizer cruamente o que lhe passa pela cabeça) quando ela desemboca no gozo (o analista interpreta os ditos do analisando em termos de libido).
Em contrapartida, dois outros caminhos barram o acesso ao inconsciente: a ignorância (entregar-se a ela com paixão ainda é consolidar o saber estabelecido) e o poder (a paixão pela potência oblitera o que o ato falho revela). A psicanálise ensina as virtudes da impotência: ela, pelo menos, respeita o real.
Lição de sabedoria para uma época: a nossa, que vê a burocracia, de braço dado com a ciência, sonhar em mudar o Homem no que ele tem de mais profundo – pela propaganda, pela manipulação direta do cérebro, pela biotecnologia, ou ainda pela social engineering. Antigamente, é claro, a coisa não estava boa, mas amanhã pode ficar pior.
(Jacques-Alain Miller)