Livro das Mil e Uma Noites

Livro das Mil e Uma Noites Mamede Mustafa Jarouche


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Livro das Mil e Uma Noites #4


Ramo Egípcio + Aladim & Ali Babá




Imaginemos um jogo entre pessoas cultas, em que cada participante eleja os dez maiores clássicos da literatura universal. Não importa o lugar, não importa a época, não importam as pessoas: o único título comum a todas essas listas será, necessariamente, o Livro das mil e uma noites. Embora seja uma obra essencialmente árabe, pelo espírito e pela língua, muita gente ainda parece obstinada em lhe apontar as “fontes”, que vão buscar na Índia ou na Pérsia antiga. Com isso, negam aos árabes o mérito de uma de suas maiores criações.

É curioso que esses mesmos sábios nunca tenham se preocupado em encontrar as fontes árabes de clássicos como o Decamerão, a Divina Comédia, o Poema de El-Cid, o Livro do Conde Lucanor e mesmo Robinson Crusoé — todos eles recheados de histórias, argumentos e ideias preexistentes na literatura árabe. É, como se percebe, uma discussão estéril. Mas houve mesmo um livro persa das Mil noites (que infelizmente se perdeu); e, antes dele, um livro árabe das Mil noites, de que nos resta um quase ilegível fragmento. Estão neles as mais antigas referências a uma célebre contadora de histórias — que adia, com sua arte, noite após noite, a própria morte. Falo, naturalmente, de Xerazade.

Não é dela, contudo, a primazia. Velhos contos beduínos, que circulavam séculos antes, narram casos de condenados à morte que se salvavam contando histórias extraordinárias. Há nisso uma teoria bem sutil: a de que a vida humana só é comutável com a ficção; que o homem é, portanto, sua própria narratividade. Mas é uma circunstância aparentemente fortuita que faz das Mil e uma noites o mais árabe dos livros. Na longa história da composição e transmissão da obra, houve um momento em que certo copista (e talvez também autor) decidiu mudar o título de Livro das mil noites para o das Mil e uma noites. Criou, talvez, o título dos títulos. Mas, o que teria vindo à mente do copista, para pôr uma noite a mais num livro que já tinha mil?

Desde os tempos pré-islâmicos, os árabes associam os múltiplos de dez à perfeição, à plenitude, a coisas que estão completas. E basta, como exemplo máximo, lembrar que Allah tem nada menos que cem nomes. O acréscimo da unidade a números como cem ou mil é, segundo o mesmo princípio, um signo do infinito. O Livro das mil e uma noites é, portanto, um título subversivo: se a perfeição divina pode estar contida no Alcorão, as Mil e uma noites são a tentativa de fazer a infinitude humana ser contida também num livro único.

Há muito tempo a comunidade de língua portuguesa — idioma que tanto deve ao árabe — merecia uma tradução digna da grandeza do livro. Mamede Mustafa Jarouche acaba de concluir essa proeza. Nosso tradutor pertence a uma classe de intelectuais cada vez mais raros: a dos que são capazes de ir a bibliotecas do outro lado do mundo para compulsar manuscritos; que não apenas conhecem um idioma, mas dominam sua história; que não apenas estudaram uma literatura, mas sabem cabalmente inseri-la no imenso âmbito da cultura universal.

Além de enriquecida com notas e apêndices que nos ajudam a compreender a gênese e os aspectos mais complexos do texto, esta tradução tem o mérito de recuperar todo o sabor do original, livrá-lo de todas as censuras, restituir sua sabedoria, sua licensiosidade e, principalmente, o seu bom-humor.

*Alberto Mussa é escritor e tradutor. O texto acima integra o quarto volume do Livro das mil e uma noites.

Contos / Crônicas / Fantasia

Edições (3)

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Repetição, tédio e alguma satisfação
on 10/5/23


Sem desmerecer a importância dessa obra para a literatura mundial devo dizer que em vários momentos ela foi bem tediosa. Os contos são muito repetitivos, e quando se está lendo o quarto volume de uma obra cheia de assuntos recorrentes se torna difícil não ficar fatigado. Creio que se não fosse uma leitura coletiva não teria conseguido concluir tão rápido essa série de livros. Isso posto, gostaria de falar que dois contos desse livro foram exatamente o que eu esperava ler sobre históri... leia mais

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