Ademilson 12/08/2022
A memorabilia de Natalia Ginzburg
Uma "memorabilia" é um conjunto de itens que remetem a uma lembrança de algo ou alguém. Em Léxico Familiar, Natalia Ginzburg escreve a partir da memorabilia linguística da sua família. Frases, expressões, cacos, palavras inventadas: tudo leva a uma tessitura afetiva como forma de resistência - o universo daquela família quer permanecer, no esforço da memória, frente ao contexto do fascismo. E esse esforço da memória leva o texto a um cabo de guerra, já que, inseridas nesse tempo de perseguições, desaparecimentos e mortes, todas as coisas tem de existir esforçadamente, contra a tentativa de pulverização, de extermínio. É uma história que cava coisas miúdas, talvez as que mais importem. Uma história da matéria humana frente à desumanização. Acho linda a maneira como Natália fez sua carreira literária dissecando o pequeno grande cômodo chamado Família, de uma forma tão íntima, complexa, verdadeira e, por quê não, universal. Também gosto de como Natalia apresenta o fascismo na sua narrativa: acredito que da forma como ele é, de fato. Como algo à espreita, um morto que nunca morre, algo que talvez pensemos, com retidão, que nunca chegará até nós, que não, jamais será possível que ele aconteça. Quando, na verdade, ele já está lá, ele já aconteceu, ele está acontecendo.Tenho em mente que faz parte do humano essa premonição para a autodestruição. Talvez não uma premonição, mas uma intuição, como se sempre estivéssemos à beira de um colapso. Nossa forma de andar, de falar, de pegar as coisas, de se relacionar, sempre esmiuçada a outra coisa - o medo da morte, o terror da desumanização diária, institucionalizada, até. No Léxico Familiar, amor, afeto, temor, angústia, está tudo tensionado no deslimite da memória, na busca hercúlea de não esquecer, de impedir que a imagem opaca do presente torne a revelar os mesmos erros do passado.