Andreia Santana 19/06/2011
A fórmula O Código Da Vinci já esgotou faz tempo
Livros que viram referência, seja por qualidade literária inquestionável ou porque caíram no gosto do público leitor médio, trazem na esteira do seu sucesso diversas outras obras correlatas ou “inspiradas”. É assim com a Terra Média de Tolkien ou a Nárnia de C.S.Lewis, mães pródigas de um sem-número de obras que também pegam carona na mitologia e na magia das lendas antigas. Não estou dizendo com isso que todas as histórias derivadas de outras que já foram contadas sejam ruins, ao contrário, existem ótimas leituras nesse nicho. Mas existe também o outro lado da moeda, que é a imitação da fórmula pela fórmula, que de tanto ser usada, esgota-se.
Sensação de fórmula esgotada, ao menos para mim – porque tem quem não canse nunca -, é a leitura de O livro do amor, da escritora Kathleen McGowan. Trata-se de mais um derivado de O Código Da Vinci, o livro de Dan Brown que é um entretenimento muito bom, mas que por mexer em velhos tabus da Igreja Católica acabou sendo bem mais levado a sério do que de fato merecia. Se fosse encarado como uma ficção muito bem construída, não teria gerado uma onda de “inspirações” bem menos competentes no quesito entretenimento e igualmente pífias quando o assunto é a velha teoria da conspiração.
O livro do amor baseia-se na descoberta de um evangelho escrito pelo próprio Jesus e nas bases do que teria sido a “verdadeira religião que ele tentou fundar, mas que foi distorcida pelo catolicismo”. Lógico que toca no tema preferido dos teóricos da conspiração, a união entre Jesus e Maria Madalena. O romance dos dois não teria problema nenhum, seria até muito justo com Jesus, que tinha direito oras, de viver sua historinha de amor (why not), mas é que tanta gente já falou disso que enjoou.
O livro do amor é apenas mediano no que se refere à condução de uma trama de mistério com todos os elementos para prender o leitor do começo ao fim. E fracassa totalmente quando a intenção é “revelar” esses supostos segredos escondidos nos labirintos do Vaticano.
Honestamente, acredito que esse tipo de obsessão pelo catolicismo só contribui para alimentar a mítica construída nos últimos dois mil anos e que no fim das contas, impede que a igreja, plantada em alicerces de barro, desabe de vez.
Julieta, da dinamarquesa Anne Fortier, um exemplo de boa inspiração no “universo browniano” (ou seja, essa literatura que bebe na fonte da teoria da conspiração), é infinitamente superior e consegue nos envolver na trama baseada em “fatos reais” sobre os personagens de carne e osso que inspiraram Shakespeare a escrever o clássico Romeu e Julieta. Sem falar que, ao inserir uma boa e gostosa comédia romântica contemporânea com dois supostos descendentes dessa Julieta e desse Romeu históricos, o livro abre margem para virar um ótimo filme de amor. Já a história de McGowan nem um romance decente consegue emplacar! Se for para o cinema é só a indústria forçando a barra.
McGowan, ao contrário de Fortier, é cansativa em diversas passagens, principalmente quando abandona a narrativa ficcional para se dedicar à pregação de uma “forma pura e primitiva de cristianismo”. Com todo respeito aos cátaros e ao massacre que sofreram durante a Inquisição (um dos episódios tenebrosos do cristianismo medieval, sem dúvida), a ênfase nas virtudes dos “Perfeitos” é tanta que enjoa. A sensação que dá não é de uma justa tentativa de fazer um resgate histórico, mostrando o outro lado daquilo que a Igreja definiu tão enfaticamente como heresia, mas apenas que a autora tenta catequizar seu leitor, chamando-o para uma espécie de nova seita, um tipo de Catarismo contemporâneo e high tech, já que a difusão “da verdadeira palavra” agora conta com os recursos da comunicação e tecnologia modernas. Pessoalmente, prefiro que ninguém tente me convencer a abraçar nenhuma crença, principalmente quando me jogo numa leitura por distração.
A personagem mais instigante de O livro do amor não é a protagonista Maureen, mas a personagem que ela investiga na trama: a condessa Matilda de Canossa, uma mulher que de fato existiu e que no pontificado de Gregório VII apoiou o papa na Questão das Investiduras. Grosso modo, essa questão política envolvia definir quem era mais poderoso, o papa ou os reis que eram vassalos da igreja. Gregório VII e Henrique IV (Sacro-Império Romano), que chegou a ser excomungado, levaram a querela às vias de fato, em intermináveis batalhas que arrasaram a Europa. Matilda era uma condessa guerreira, uma mulher que pegava em armas e liderava soldados em pleno século XII, e isso é a história quem diz sobre ela. Por ter traços obscuros e polêmicos em sua biografia, ela sozinha renderia um romance histórico dos bons e de fato, só quando romanceia a vida já cheia de aventuras da condessa é que Kathleen McGowan se sai razoavelmente bem.
O livro do amor vai agradar em cheio aos mais crédulos e admiradores dessas tramas que buscam mostrar a corrupção de padres e bispos (como se os noticiários já não bastassem para tanto). Mas leitores críticos ficarão frustrados com os buracos da trama e o tom meloso que extrapola até aquela pieguice romântica gostosinha de "dia dos namorados", descambando para uma choradeira que eleva os níveis de glicose ao coma diabético.