Os Bestializados

Os Bestializados José Murilo de Carvalho




Resenhas - Os Bestializados


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Vivi 05/01/2012

O BRASIL NÃO TEM POVO, TEM PÚBLICO?
A frase que intitula esta resenha: o Brasil não tem povo, tem público, dita pelo escritor Lima Barreto, não foi a única expressão de descontentamento dirigida aos brasileiros no inicio da primeira República. Aristides Lobo, entusiasta da República afirma em carta ao Diário popular de São Paulo: “…o povo, que pelo ideário republicano deveria ter sido protagonista dos acontecimentos, assistira a tudo bestializado, sem compreender o que se passava, julgando ver talvez uma parada militar”. Da mesma maneira afirmou o biólogo francês Louis Couty, diante do mesmo evento, “O Brasil não tem povo”. É a partir desse sentimento, de decepção, diante da (não) participação popular nos acontecimentos que culminariam na república que José Murilo de Carvalho lança o problema central do livro: discutir o relacionamento entre o cidadão e o Estado, o cidadão e o sistema político.
O livro “Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi” foi publicado em 1987 e traz uma coletânea de artigos do mesmo autor publicados em periódicos na década de 1980. Sociólogo, José Murilo de Carvalho traz como referencial teórico, o também sociólogo T. H. Marshall, referencia central no que diz respeito à cidadania. Marshall distingue três dimensões básicas da cidadania, a saber: a dos direitos civis, a dos direitos políticos e a dos direitos sociais. Essas dimensões são especificas do caso inglês, no Brasil, afirma Ângela de Castro Gomes, o acesso aos direitos de cidadania não seguiu essa seqüência clássica e sempre dialogou com os exemplos europeus e norte-americanos, ou seja, continua a autora, em nossa experiência pode-se dizer que ocorreu uma espécie de superposição de demandas por direitos, especialmente após a proclamação da República .
O pensamento de Bryan S. Tuner, também contribui na construção do argumento de José Murilo. Tuner apresenta as diferentes tradições de cidadania a partir de dois eixos principais, o primeiro indica a direção do movimento que produz a cidadania: de baixo para cima ou de cima para baixo . Enquanto o segundo se apresenta a partir da dicotomia público/privado, ou seja, a cidadania pode ser adquirira dentro do espaço público, mediante a conquista do Estado, ou dentro do espaço privado, mediante as afirmações dos direitos individuais . A partir dessa análise José Murilo de Carvalho enquadra o Brasil, juntamente com a Alemanha, dadas as suas especificidades, na visão de cidadania construída de cima para baixo dentro de um espaço privado .
O livro, como já foi dito, é uma coletânea de artigos que buscam entender quem eram, qual o imaginário político e as práticas políticas que permeavam as pessoas que viveram os primeiros anos da república. Para tanto o livro foi dividido em cinco capítulos que serão tratados a seguir.
O primeiro capítulo intitulado O Rio de Janeiro e a República, apresenta a capital do país nos primeiros anos da república, suas transformações políticas e sociais. Neste capítulo o autor justifica a escolha da cidade como objeto de estudo, sendo esta a maior cidade e capital política, econômica e cultural do país (p. 16).
Dialogando com o problema central do livro, José Murilo traz um panorama da população, quem eram, como moravam, como lidavam com os problemas econômicos, etc. Todos esses fatores estavam interligados com as ideologias trazidas da Europa e as esperanças vindas do novo regime, a possibilidade de intervir na política. No entanto, pouco tempo depois essas esperanças caíram por terra, o novo regime não foi bem recebido pelo proletariado que não sentiu as mudanças quanto ao novo regime e a monarquia atingiu seu mais alto índice de aprovação. Diante destas situações, segundo o autor, formou-se não uma república, mas “repúblicas”, nas quais o poder do Estado ousará, mas não conseguirá dominar.
Repúblicas e cidadania, lança-se o segundo capítulo, que tem por objetivo verificar o problema da cidadania. A nova mentalidade do cidadão burguês, com sua sede insaciável pelos lucros, se mostra de forma crescente na república, enquanto que a última distingue cada vez mais seu povo.
A república se tornara uma “pátria” na qual seus filhos eram divididos em cidadãos ativos e inativos, os primeiros além dos direitos civis possuíam também os direitos políticos, quanto aos segundos, restavam-lhes o direito da cidadania. A nova ordem tornou-se antidemocrática e resistente aos esforços democratizantes. As várias frentes que constituíam o movimento republicano geraram as “várias concepções de cidadania” que o autor apresenta, o exercito formara o soldado-cidadão – variação da constituição norte-americana que defendia o direito do cidadão se armar contra o estado – enquanto que os operários do Estado geraram aquilo que José Murilo chama de “estadania”, quando a cidadania requer apenas os direitos civis e sociais e rejeita os direitos políticos, cabendo ao Estado – paternalista – conceder esses direitos. A decepção com a república logo aparece e os movimentos anarquistas apresentam uma rejeição à ordem política e, conseqüentemente rejeitam a cidadania.
Após avaliar as propostas de cidadania José Murilo afirma que esta deve ter como contraponto “o estudo dos candidatos a cidadãos e das praticas concretas de participação política” (p. 66). O autor desenvolve seu objetivo a partir da visão que os estrangeiros tinham do povo brasileiro e questiona o modelo de povo que estes buscavam. Para responder a esta questão estabelece-se no livro o envolvimento que o povo tinha diante das práticas políticas e chega-se a conclusão de que o termo certo a se adotar seria “povos”, o Brasil não tinha povo, no singular, mas sim povos e entre estes apenas o “bom povo” participava das práticas políticas. Dentre esses povos, existiam os bons e os maus, os bons seriam aqueles que se enquadravam do modelo europeu de “cidadão”. Para avaliar o termo “povos” o autor, através dos censos, define a população fluminense. Essa população na avaliação do autor está dividida entre brasileiros e estrangeiros, sobretudo portugueses, e entre os brasileiros “grande parcela se colocava fora do mundo organizado do trabalho, numa situação em que era difícil a percepção dos mecanismos que regiam a sociedade e a política” (p.83).
Ainda avaliando a participação popular na política o autor analisa o eleitorado do Rio de Janeiro e observa que o novo regime regrediu quanto à ampliação dos direitos políticos, chegando mesmo a excluir 80% da população do direito político do voto. Além deste, outro agravante diminuiu a participação política dos cidadãos aptos à votar, a auto-exclusão, esta se dava por dois motivos: as fraudes eleitorais e a insegurança. Assim, a partir dessas conclusões José Murilo afirma: “o Rio não tinha povo” este “dedicava suas energias participativas e sua capacidade de organização a outras atividades. Do governo queria principalmente que o deixasse em paz” (p. 90).
No capítulo seguinte o autor tenta capturar o que seriam os direitos e deveres na relação entre indivíduo e Estado a partir de uma das “outras atividades” nas quais o povo “dedicava suas energias participativas”: a revolta da vacina. Após uma extensa narrativa da revolta, José Murilo tenta identificar “os revoltosos” e conclui que “a composição da multidão variou de acordo com o desenrolar da revolta” (p. 124). Dentre os revoltosos encontravam-se, num primeiro momento, operários, comerciantes, estudantes, militares e pivetes. Num segundo momento destacam-se os operários de grandes empresas e as “classes perigosas”.
Identificados os revoltosos José Murilo dedica-se na busca pelos motivos da revolta. Com relação aos militares o autor levanta o pretenso assalto ao poder, consenso na historiografia. Dois outros motivos são levantados, um de ordem econômica motivado pela crise geral deixada por Campos Sales, e outro ocasionado pelas reformas urbanas no centro do Rio. Os dois motivos logo caem por terra quando o autor apresenta como explicação mais óbvia a obrigatoriedade da vacina. Afirma José Murilo “A reação à vacina servira para desencadear um protesto muito mais vasto e profundo” (p.134), pois este fundamentou-se em razões ideológicas e morais. Ideológicas para os membros da elite, para os quais os valores representavam os princípios liberais e liberdade individual, no qual um governo intervencionista não cabia. Morais para o povo, pois “os valores ameaçados pela interferência do Estado eram o respeito pela virtude da mulher e da esposa, a honra do chefe de família, a inviolabilidade do lar” (p. 136). Assim, o inimigo não era a vacina, mas sim o governo.
Por fim, no último capítulo José Murilo apresenta o que ele chama de mundo “real”, aquele que estava sob o formal. Ao mesmo tempo em que o governo tentava criar formas de convivência, o “povo” criava as suas próprias e “nessas condições as normas legais e as hierarquias sociais iam aos poucos se desmoralizando, constituindo-se um mundo alternativo de relacionamento e valores” (p.159). E quando esse mundo alternativo era ameaçado através da repressão geravam-se em resposta as revoltas. José Murilo termina o capítulo com a seguinte afirmação: “O povo sabia que o formal não era sério… a República não era para valer” (p. 160).
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Ocelo.Moreira 22/07/2011

Livro bem conservado e sem rasuras.
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