Gabriel Aleksander 06/01/2021Flores ao mar traz narrativas importantes para o ano todo! - literagabs.comNessa coletânea de ano novo temos reunidos grandes autoras do cenário nacional apresentando quatro histórias sobre as irmãs Rios, que ganham de seus pais uma viagem em um cruzeiro que irá mudar tudo o que elas acreditam sobre si mesmas e suas relações com o mundo externo.
No primeiro conto, de Lorrane Fortunato, somos introduzidos ao funcionamento da dinâmica entre essas irmãs através do ponto de vista de Lírio, segunda na ordem de nascimento, e que é conhecida por não aproveitar a vida, por ser mais quieta e introvertida. Entretanto, durante uma parada no Rio de Janeiro, Lírio aproveita para se encontrar com um amigo virtual que mostrará a ela como a vida pode surpreender positivamente quando nos permitimos.
O meu destaque para esse conto foi definitivamente os momentos de auto análise que a protagonista faz, e como isso acrescenta ao seu crescimento e passa uma mensagem potente para o leitor, principalmente para mulheres negras, que assim como Lírio foram podadas pela máquina desumanizadora que é o racismo.
“Penso em todas as vezes em que não me permiti, em que me disse não, em que pensei que a opinião dos outros era mais importante do que a minha felicidade. Quantas frustrações eu engoli? Quantos desejos foram reprimidos? Se eu tiro tudo isso do caminho, o que sobra?” pág.13
“Com a tesoura do aceitável, eu me podei tantas vezes que não consigo contar. Foi o suficiente? O que eu consegui colher além de frustrações e desejos reprimidos?” pág.13
Simultaneamente a essa jornada de Lírio, no segundo conto somos apresentados à Tulipa, personagem construída por Lavínia Rocha e que representa a irmã caçula dessa família, também sendo a mais “espoleta” (daí vem seu apelido Espolita) da turma, e que se juntará em uma aventura investigativa com um garoto que conhece da escola e que possuem algumas coisas pendentes no passado para serem resolvidas.
Nesse conto temos uma história focada na aventura e que possui um ritmo bem condizente com a personalidade da nossa protagonista. A forma como a autora vai trabalhando a ambientação do navio para que a gente tenha a sensação de que algo perigoso está acontecendo nas entrelinhas é muito interessante, e definitivamente me trouxe o conto mais inesperado da coletânea, já que não imaginava encontrar uma história desse gênero aqui na coletânea.
Em seguida temos o conto da minha personagem favorita e que já me deixava curioso desde suas aparições nas outras histórias, aqui estou falando de Violeta, a irmã que foi escrita por Olívia Pilar, e que possui a personalidade mais poderosa e confiante das quatro.
Com sua aparente inconsequência e zero necessidade de aprovação, Violeta é confrontada pela vida quando conhece uma garota que trabalha no navio e que irá lhe mostrar como a vida nem sempre é sobre estar no controle, e que as vezes vale a pena se desarmar.
“Por que as pessoas gostavam de fazer joguinhos se deixar tudo às claras era tão mais fácil? O tempo que a gente perdia fingindo que algo não estava acontecendo, quando na verdade estava, era precioso demais para jogar fora. Depois a gente não tinha como recuperar um tempo que poderia ter sido usado em coisas boas, em vez de joguinhos.” Pág.67
A forma como a autora trabalha questões de assédio moral, machismo, racismo e desigualdades sociais são incríveis e levam o conto para além do romance.
“Dizem que você mata um povo diariamente quando vai matando sua história também. E era isso que acontecia com a gente, nossa história foi sendo aniquilada, depois não mais praticada e aí esquecida até as próximas gerações descobrirem os grandes entre nós.” Pág 77
Por fim temos o conto de Bromélia, a irmã mais velha que acaba por assumir o papel de mãe e por vezes é superprotetora com as outras. Aqui, Solaine Chioro teve um dos trabalhos mais difíceis ao ter que humanizar a personagem que foi estabelecida nos outros contos como a voz da repreensão, o que a autora fez com maestria.
Confesso que eu JURAVA que ia detestar quando a história focasse em Bromélia mas na verdade foi o conto certo para concluir a coletânea, aqui vemos que aqueles que precisam ser fortes o tempo inteiro são para além da imagem que passam, possuindo suas limitações e fraquezas e também precisam ser cuidados.
A autora foi perspicaz em colocar a figura de Zeca, que entra na dinâmica do livro como esse porto seguro para Bromélia e a faz se desligar um pouco dos problemas da família e focar mais em si e no seu bem-estar.
No fim, a coletânea traz uma história que transcende a época comemorativa do ano novo, contando narrativas que podem inspirar e contribuir com questões essenciais para a sociedade, principalmente por falar sobre histórias de amor entre pessoas negras e que vão além do sofrimento e racismo, mesmo que ainda os aborde de forma sensível e responsável.
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