LOHS 14/01/2018
Quando você pensa em clássico de suspense e terror, você pensa em Edgar Allan Poe.
"Edgar Allan Poe, na mocidade, se sobressaía em todos os exercícios de agilidade e força De acordo com o seu talento: cálculos e problemas. De estatura um pouco abaixo da média, era, apesar disso, dessas pessoas que num grupo, em qualquer lugar, atraem o olhar do observador. Não que fosse belo, mas impressionava. Toda a sua figura refletia inteligência, o sentido da idealidade e do belo absoluto. Era um conjunto agradável, harmonioso." Boudelaire
Num total de 18 contos, Os crimes da rua Morgue e outras histórias extraordinárias traz alguns contos notórios de Edgar Allan Poe. Dois eu já conhecia e até trabalhei com eles na universidade, "O gato preto" e "O coração denunciador", de outros, eu nunca tinha ouvido falar, "A máscara da morte rubra", "Manuscrito encontrado numa garrafa" e "Metzengertein".
Não será possível falar de cada um desses contos incríveis aqui, por isso escolherei três dos que mais gostei e dividirei minha experiência com vocês! Àqueles que anda não conhecem o trabalho do autor, saibam que é uma experiência única de sobrenatural e realidade colidindo. Indico esta bela e caprichada edição para todos os fãs, mas também para aquelas pessoas que ainda não tiveram um contato mais próximo com os trabalhos de Poe.
Por serem contos, a leitura é mais rápida e você sempre pode escolher ler um ou dois por dia, descansar, ler outro livro e voltar ao mestre da short story sem nenhum problema. Vou aqui, rapidamente, oferecer um resumo do meu semestre de letras a respeito de contos. Só para vocês compreenderem a belezura da obra de Poe. Um conto é uma história mais curta, na qual todos os elementos que aparecem são importantes. Por você ter menos tempo para contar sua história, deve fazer cada linha valer, ou seja, cada objeto, fala, ambiente, sentimento... cada linha conta.
Um conto sempre conta duas histórias: mas como assim? Se não tem espaço pra uma, como que conseguem colocar duas? Eu explico! Para prender o leitor, o suspense deve acompanhar todas as páginas da construção da história, os fatos devem intrigá-lo e desafiá-lo. As respostas devem ser dadas apenas no final do conto, quando tudo o que você vem lendo - de repente - ganha sentido! A resposta para as estranhezas que fizeram você ler todo o conto finalmente esclarecem (ou, ao menos, iluminam) os pontos de confusão.
Outro ponto interessante, acredito que, característico de Poe é a reafirmação constante de que tudo o que ele escreve é real. Ou seja, seus narradores fazem questão de deixar bem claro que - por mais estranho, surreal e horrendo você ache que as coisas são - tudo o que eles estão relatando é a mais pura verdade. Feitas essas considerações, vejamos alguns dos contos que mais mexeram comigo!
O gato preto
Um dos contos mais conhecidos de Poe, "O gato preto" é a respeito de um marido que assassinou sua mulher por conta de seu gato. O absurdo de sua história pode ser acreditado, porque o narrador se coloca em uma posição, teoricamente, incontestável: "Amanhã morrerei e hoje quero aliviar minha alma", p. 11 Plutão, o gato preto que marido e mulher dividiam, era muito amado. Até que foi enforcado pelo dono, depois de um silencioso, porém derradeiro processo de transformação. Tempo depois, ele encontra outro gato. As características são as mesmas do falecido Plutão - até mesmo as recém adicionadas pelo cruel dono: um olho a menos e uma corda no pescoço. Talvez fosse a bebida, talvez fosse o próprio demônio agindo por meio dele, mas nosso narrador continuou piorando.
"Estava cheio de maus pensamentos. Os mais negros e maléficos. Eu já não odiava só o gato. Odiava todas as coisas. A humanidade toda. Quem mais sofria com minhas crises era minha resignada esposa. Era a mais paciente das minhas vítimas.", p. 17
Um dos pontos mais interessantes a ser percebido aqui é como todos os elementos casam para explicar ou tentar eximir de responsabilidade o narrador. Era um gato preto (e todos sabemos as lutas constantes que temos de lutar para tirar da cabeça do povinho que gato preto não dá azar nem é sinal de coisa ruim - é só um gato), chamado Plutão (em outras traduções, vem como Pluto - deus romano do submundo), o qual possivelmente voltou para torturar aquele que o matou. Como consequência, nosso narrador perde a cabeça e acaba cometendo outro assassinato. E, hoje, ao nos contar sua história, não tem porque mentir - afinal de contas - já está para morrer!
"Eu não tinha medo de olhar as coisas horríveis, mas ficava apavorado à ideia de nada ver." E. A. Poe
Enterro prematuro
O conto me interessou pelo título! Nunca pensei muito na morte, porém - quando a imagino - não consigo pensar em nada pior do que acharem que eu morri e eu ainda ter consciência, mesmo que meu corpo não reaja. Nosso narrador compartilha do mesmo sentimento, pois sofre de uma doença que o aprisiona dentro do próprio corpo. Todos os sinais vitais diminuem e a única menção de vida é a respiração fraca. (Edgar Allan Poe trabalha muito com o tema da morte, como podem ter percebido!) "As fronteiras entre a vida e a morte são vagas e imprecisas. Ninguém pode dizer, com certeza, onde começa uma e termina a outra.", p. 54
A maneira como descreve os episódios de catalepsia são extremamente dolorosas. Porque você sabe que é real. O próprio narrador sugere ao leitor que lembre de algum amigo, ou algum causo que tenha ouvido. A cada momento de aflição, a cada confirmação dos medos mais profundos se tornando realidade, a cada impulso mal sucedido por retomar controle do seu corpo, o clímax do conto se aproxima. E eu não conseguia parar de ler. O leitor deseja junto ao personagem que tudo acabe. Que algo o salve.
"De fato, a legião sinistra de terrores sepulcrais não é totalmente fantasiosa. Existe mesmo. Mas, como os Demônios, temos que deixá-la adormecida. Ou seremos devorados. Têm que ser deixados dormindo. Ou morremos.", p. 63
Coração denunciador
Este conto se aproxima muito do que vemos em "O gato preto", porém - com mais detalhes -, eu diria. Em todos os contos, há a conversa com o leitor em busca de credibilidade. Este narrador, porém, me parece muito mais afetado do que o que enfrenta a sentença de morte.
"Depois que eu lhes contar toda a história com bastante calma, sei que vão concordar comigo. É verdade! Sou muito nervoso. Mas não sou louco. E meu ouvido sempre foi muito bom. A doença não entorpeceu meus sentidos. Antes, aguçou-os. Eu ouvia todas as coisas: do céu, da terra. Até do inferno", p. 157
Aqui, temos um cuidador e um velho senhor com catarata. Meu professor indicou um aplicativo sensacional com o e-book em inglês e interativo (iPoe). Os sons e os efeitos de luz do app são espetaculares. E dão um efeito completamente inovador para um clássico de mais de 200 anos. "O terror do velho devia ser extremo. E o meu? Sabem, sou nervoso. Aquele ruído, àquela hora da noite, foi me aterrorizando cada vez mais." Recomendo a experiência, porém o app é pago.
A edição é simplesmente maravilhosa. A cada abertura de capítulo temos essas páginas pretas e a fonte elegante. O que dá um charme todo especial aos macabros contos de Poe. A parte mais legal é que você pode ler na ordem que quiser! E também reler: algo que eu aconselho fortemente, porque - depois que você termina o conto - passa a perceber coisas logo no primeiro parágrafo que estavam te preparando para o final. É simplesmente incrível. Uma experiência que todos os leitores deveriam ter! Com certeza, um desafio para os escritores.
site: http://livrosontemhojeesempre.blogspot.com.br/2018/01/os-crimes-da-rua-morgue.html