spoiler visualizarAnacabram 06/08/2012
Pode-se morrer duas vezes?
Falar do livro da Brisa Paim, para mim, é difícil, muito mesmo. (...)é um livro que uma mulher deve ler. Depois porque é bom. O estilo é uma rede hábil que me captou e me capturou; uma leitura fluida e poética, veloz, capaz de prender o leitor às discussões entre o casal como se ele, o leitor, as assistisse, meu deus, quem já viveu relações amorosas que levam a algum tipo de casamento pode se sentir parte daquelas cenas com naturalidade. E não seria justo dizer que essa cadência e representação advêm apenas de uma pontuação irreverente ou da ausência de pontuação em alguns trechos, é o modo como o discurso do casal (adversários graduais) vai se dissolvendo numa incapacidade comunicativa, uma incongruência impensável durante o idílio, embora tal incongruência estivesse ali desde sempre. Porque afinal é impossível qualquer sinastria e doação antes do autoconhecimento (estou falando da protagonista).
É história de mulher também. Por isso mesmo pode ser perigoso em termos de como pode ser recebido. Parece datado, mas só parece. Parece drama pessoal totalmente pertinente a mulheres de talvez duas décadas atrás. Ela era uma cocota gracinha que ficou apaixonadinha, formou família, gravidinha, três filhos, fertilidade, felicidade, trabalho, formação. Mais o quê? E aí que não. Ela não é feliz. O mundo está aí, cheio de pessoas infelizes com as vidas mais aparentemente dentro dos padrões, mulheres ou não. No caso, a personagem é mulher, mas poderia ser o homem, insatisfeito com o rumo do seu casamento mediano perfeito, o seu emprego funcionário padrão, seja o que for. Mais uma história de mulher para ser chamada por aí de história de mulherzinha e teríamos rapidamente um carimbo preconceituoso sim à disposição.
O livro passa por isso, pelo enredo feminino, mas acho que vai bem além, afinal o ser humano está tantas vezes insatisfeito e há tantos motivos para o basta, para a loucura, para as imitações de rosa... A premissa, então, até parece comum. Mas como fazem as grandes obras, o livro ultrapassa a história pelo estilo, pela profundidade conferida ao drama da personagem principal. Que coragem, por exemplo, a depressão, ou a loucura, ou a porralouquice, ou o que seja pode dar a uma mulher para ela chegar a dizer (ainda que para si mesma) que aqueles bebezinhos bem que mereciam ser esquecidos e perdidos no supermercado como daquela vez que ela teve o ímpeto.
O livro é triste, é libertador, é opressor.
Pode-se morrer duas vezes?
(Trecho de um comentário sobre o livro a um amigo)