Luiz Carlos 10/02/2016A humanização de Héracles.As tragédias gregas na tradução de Trajano Vieira são primorosas e "Héracles" não foge à regra. Esta edição vem acompanhada de uma apresentação do tradutor e um texto crítico de um importante estudioso de Eurípedes. Vale a pena conferi-los antes de ler a tragédia para quem não está familiarizado com esse tipo de texto. Eurípedes é para mim o melhor escritor de tragédias gregas. Cada texto novo dele surpreendo-me com sua genialidade e, principalmente, seu realismo. A humanização de Héracles é o título do texto que o tradutor deu à sua apresentação que acompanha a tragédia grega. Não encontrei outras palavras que melhor exprimissem essa capacidade de Eurípedes de trazer à condição humana todos os personagens da mitologia e história grega que passaram pelo sua escrita. Héracles inverte a narrativa de algumas passagens da história tradicional desse herói grego, Héracles, filho de Zeus com uma humana. Ao invés de iniciar a história com os doze trabalhos, logo após ter sua família morta, Eurípedes introduz o herói na narrativa quando do seu retorno. Sua família ainda está viva, mas será morta pelas mãos do herói num acesso de loucura e fúria. Agora o desafio do herói não é mais cumprir os doze trabalhos como penitência pela morte da família. Afinal, ela já os havia cumprido na tragédia de Eurípedes, sendo que sua família ainda estava viva. A "penitência" do herói, ao descobrir que foi o assassínio dos seus filhos e esposa, é como viver com essa dor. A dor de Eurípedes é a dor de qualquer pessoa que já perdeu uma pessoa muito querida e próxima. O sentimento é de que não haverá mais outro dia. O herói grego não culpa os deuses pelo seu ataque repentino de loucura, embora tenha sido, de fato, hipnotizado pela “Loucura” por ordem da deusa Isis. Ao contrário disso, o personagem reduz a importância dos deuses nas ações e decisões humanas e duvida que uma divindade pudesse quer vingar de um homem ou dele. Um ser divino, somente pode ser divino, se for autossuficiente. Querer vingar-se de alguém ou puni-lo por uma falta seria o reconhecimento da sua própria limitação e autossuficiência. Não culpa os deuses, nem busca apoio em qualquer divindade. A luta, o desafio e o trabalho do herói são interno na tragédia de Eurípedes: uma batalha psicológica. A história de como Héracles lutou para vencer as mais perigosas feras e monstros durante sua viagem, já conhecemo-la por inúmeras fontes. Nesta primorosa tragédia na tradução de Trajano Vieira, conheça Eurípedes na sua versão mais autêntica e confira como esse herói vai enfrentar a dor da perda dos seus entes mais amados, sabendo que é o algoz deles.