Nara 04/04/2021
A doença como protagonista
Lina Meruane, autora chilena que pesquisa a relação entre doença e literatura.
Aqui, a doença é a protagonista. Uma família obcecada por prenúncios de sintomas de seus corpos. A incessante sensação de perda recobre todos os membros familiares. Ela – assim chamada pelo narrador – uma astrofísica dá aulas, enquanto tenta desesperadamente retomar a escrita da tese sobre buracos negros no seu país do presente. Ele, seu companheiro, um antropólogo especializado em ossos. O Pai e a Mãe (postiça, madrasta) médicos. A mãe biológica, uma lembrança que a culpa, por ter sido Ela em seu nascimento, a tornar aquele o leito de morte dessa mãe, a verdadeira. O Primogênito, o irmão mais velho que dribla a vida quebrando tudo quanto é ossos, enquanto a ressente pela morte da mãe. Incapaz de perdoar o Pai, cuja medicina não pôde salvar a vida dessa mãe. Os Gêmeos, esses irmãos postiços, filhos dessa Mãe postiça, a única da qual Ela se lembra e, que fez questão de esconder todos os retratos da verdadeira mãe.
Existe por trás do fazer científico, o exercício ontológico? O que isso tem a ver com a literatura de Meruane?
Quando pensamos que a ciência possui diversos campos, cujo objetivo é estudar a vida, nessa narrativa, temos todas essas personagens envolvidas de alguma forma com esses corpos diversos. Ora o Cosmos e seu sistema planetário, ora o corpo humano (biopsicossocial) que faz parte do complexo sistema cultural, além de possuir ele mesmo, os seus próprios, tais como o nervoso que em colapso, tanto quanto o celestial, tendem a desordem e desintegração. Famoso conceito de entropia.
Utilizando a teoria geral dos sistemas, temos uma narrativa que explora cada sistema e suas “enfermidades”: a sociedade que, em seu país do passado, enfrentou uma epidemia de ditaduras. O do presente, que no contexto globalizado, lida com a discriminação à diversidade. Além das agruras aos corpos femininos, cuja existência é potencialmente marcada por uma violência de gênero em todas as relações possíveis.
Uma construção narrativa transdisciplinar que “compreende a realidade formada por diversos sistemas abertos, cuja conectividade entre subsistemas e transporte de informações, gera condições em que cada sistema é mediado, vem mediar outros e comporta-se enquanto signo (PEIRCE).”
“Provavelmente sempre estejamos doentes sem saber. E embora quando pequena pensasse que todas aquelas histórias sobre o que um corpo podia padecer fossem só para assustá-la, mais tarde entendeu que eram apenas um resumo. Porque o estranho é viver.”
(pg.215)
AMEI! Um dos prediletos.. Daria uma pesquisa incrível a relação entre a construção dessa narrativa como simbólica da teoria geral do sistemas..