Flávia Menezes 21/03/2023
? "UMA MENINA ME ENSINOU, QUASE TUDO O QUE EU SEI..."
?O Jardim Secreto? é um livro da literatura infantil escrito pela autora e dramaturga inglesa Frances Hodgson Burnett, cuja primeira publicação completa ocorreu em 1991. Em 1987 foi lançada a primeira adaptação em filme, tendo uma nova versão sido dirigida pela polonesa Agnieszka Holland e lançada em 1993, e em 2020, uma mais recente pelo inglês Marc Munden.
Como eu não me recordo de algum dia ter visto qualquer uma dessas adaptações para filme, toda a história foi quase que uma verdadeira surpresa para mim, não sendo tudo novidade porque, como se trata de um grande clássico, algumas coisas já ouvi falar e já havia visto em outras fontes.
Confesso que não foi nem a história em si, ou mesmo os personagens que me fizeram dar essa nota, mas sim a mensagem grandiosa e cada vez mais atual que esse livro nos traz, sendo o último capítulo uma grande preciosidade, com sua narrativa com detalhes repletos de muita sabedoria. Aliás, como diziam as crianças dessa história, realmente há nesse livro uma grande Mágica.
Os elementos que a autora traz para falar sobre a importância das relações, e de como a vida nos oferece todos os dias tantas maravilhas capazes de nos manter mais saudáveis, são riquíssimos, e não podemos perder nenhum deles, pois nos trazem grandes e importantes lições.
Tanto Mary quanto Colin são duas crianças abastadas, que por alguns infortúnios da vida não puderam beber da fonte do maior amor que podemos ter: o dos nossos pais. Uma vez que uma criança não pode, seja pelo motivo que for, estabelecer vínculo com seus genitores, todas as suas demais relações ficam comprometidas, pois quando o ?primeiro amor está ausente?, nada e nem ninguém pode ocupar o seu lugar.
Claro que nem tudo nessa vida é estático (ainda bem!), e uma criança que por algum infortúnio tenha perdido tanto mãe quanto pai, pode encontrar em outras pessoas a possibilidade de estabelecer esses vínculos de forma igualmente grandiosa, porém não na mesma proporção. Mas, mesmo assim, sem ter grandes prejuízos para a sua vida, pois é muito importante respeitarmos que não precisamos substituir nada e nem ninguém, mas estabelecermos vínculos autênticos e fortes com o outro, a partir do que temos com eles. Sem comparar, ou buscar por semelhanças com os vínculos anteriores.
E foi isso que aconteceu tanto com a menina Mary, quanto com o sempre enfermo Colin. Ao se aproximarem mais das pessoas, e permitirem conhecê-las tais como são, apreciando tanto suas qualidades quanto seus defeitos (e como os defeitos são importantes nessa vida quando bem empregados!), a vida de ambos começou a mudar. Afinal, como diria Valter Hugo Mãe, ?O paraíso são os outros?.
O mais bonito era perceber como o semblante dessas crianças ia mudando conforme a relação deles ficava cada vez mais forte. Rostinhos corados e saudáveis, que floresciam uma beleza que até então estava escondida. E não é assim com a gente também? Quanto mais carrancuda uma pessoa é, mais vemos o quanto sua vida é pobre de vida e, consequentemente, de boas relações. Por isso que crianças enchem tanto a nossa vida de vida! Porque elas são tão simples, tão alegres e tão festivas nas pequenas coisas, que transformam o dia mais nublado, em tempo com sol.
Uma figura que, para mim, é a mais especial desse livro é o jovem Dickon. Esse menininho é o modelo da criança empática, e que acolhe as pessoas (e os animais) como são, sem fazer distinção, ou economizar no seu amor e na sua presença.
Aliás, um dos maiores presentes que podemos dar a uma pessoa é a nossa presença. E ser presente é estar por inteiro, de ouvidos e olhos atentos ao outro e com o outro. Não como um psicoterapeuta que está ali unicamente para ouvir e trabalhar a fala do outro, mas como pessoas que estão ali entregues para uma troca. Damos tanto de nós mesmos, quanto paramos também para receber do outro.
Isso parece algo tão simples, não é? Mas de fato é um dos maiores desafios da nossa vida. Bom... pelo menos da minha tem sido sim. Existe até uma frase que diz: ?O maior problema de comunicação é que não ouvimos para compreender, ouvimos para responder?. E se formos sinceros com a gente mesmo, vamos perceber como a nossa vida corrida, estressante, tem transformado a nossa forma de ouvir. Estamos muito mais impacientes para ouvir. Queremos que o outro fale logo, e, algumas vezes, o outro nem terminou de falar e já estamos com tudo o que queremos dizer na ponta da língua. Mas daí eu me pergunto: será mesmo que isso é ouvir? É claro que não!
Se de fato pararmos um pouquinho para analisarmos a situação, veremos o quanto nos ausentamos das nossas relações, seja por alguma preocupação, ou qualquer outra coisa, e isso tem causado tanta insegurança e descontentamento no outro.
Dickon me fez ver muita coisa, mas especialmente essa necessidade de ser mais presente, esquecendo um pouco dos problemas e preocupações, para só estar ali, com quem a gente tanto ama, sem pensar em mais nada, apenas aproveitando aquele momento precioso que não volta nunca mais. Tarde demais para aprender? Talvez até possa ser... mas realmente eu espero sinceramente que não! Até porque eu nunca vou deixar de pelo menos tentar melhorar quem sou, para ser mais como o jovem Dickon: uma pessoa mais inteira e feliz nas minhas relações. Sem contar que eu sou das que acredita em segundas, e até em terceiras chances!
Embora eu não seja nem de perto uma pessoa que leve algum jeito com jardins e plantas, a natureza é a essência da vida! Cada vez mais (e em especial pós-pandemia) tem se falado da importância da Vitamina D (vinda da luz do sol) para a nossa saúde, e inclusive para a regulação do nosso círculo circadiano, e por consequência, do nosso sono. Afinal, nada melhor na vida do que um dia após o outro e uma boa noite muito bem dormida no meio.
Achei rico essa parte das crianças mexendo na terra, vendo o processo de crescimento e de florescimento, pois assim também é a vida. E, sendo Mary e Colin, duas crianças sem mães, esse foi um daqueles momentos freudianos de ?retorno ao útero?, em que elas puderam se aconchegar em um cantinho onde a vida acontece, e assim como as flores, também começaram a florescer.
Na nossa vida pós-pandemia, em um mundo em que passamos muito tempo atrás de telas de computadores, e em alguns ambientes profissionais, acabamos vivendo o dia todo em luzes artificiais, se torna sempre mais importante que tenhamos contato com a natureza. Ir à praia, um passeio na cachoeira, ou em uma roça/sítio, ou mesmo aquele passeio de domingo em algum parque é fundamental para a nossa saúde. E é muito melhor ainda que você possa ter uma boa companhia para desfrutar com você desses momentos.
Sabe o que eu quero dizer? Deixar o celular em casa (ou pelo menos na bolsa, ou no carro), e parar para olhar a natureza ao redor, com uma boa e gostosa conversa com uma boa companhia... Não há nada de melhor nesse mundo! Isso renova as nossas baterias, melhora nossa saúde, e o principal: faz nossas relações crescerem e florescerem tanto quanto a natureza!
Muito dos problemas de depressão e ansiedade da atualidade, especialmente aqueles que atingem os nossos jovens, ocorrem pela ausência de se estar ao ar livre, em movimento, e principalmente: com relações reais, e não restritas a essa telinha do celular ou do computador.
Falar e poder ver a expressão do outro, suas reações, nunca poderá ser substituída por palavras frias em uma tela. E já reparou como as nossas relações acabam se deteriorando nessa vida virtual que vivemos? E como tudo pode ser evitado com um simples estar junto!
É claro que algumas relações são mantidas à distância por dificuldades maiores, como caso de alguém que mora em outro país. Mas quer uma dica: faça uma chamada por vídeo, e tenha sempre em mente a importância de que encurtar distâncias é fundamental se queremos manter as nossas relações mais fortes.
As nossas relações são como as flores do Jardim Secreto: se não regarmos e cultivarmos, elas não crescem. E sem pessoas ao nosso redor, em momentos de grandes tempestades em nossa vida, acabaremos por sucumbir às grandes doenças.
Algo que foi vivido pelo pai de Colin, Archibald Craven. O luto o fez se afastar do mundo. Claro que no luto (e nas separações, porque elas também possuem os mesmos estágios), existem etapas que precisam ser sofridas, mas vivê-las sozinho(a) é um grande risco. Todos nós precisamos de ajuda, e isso não nos faz mais fracos, mas sim pessoas reais, normais e humanas, que sangram e sofrem como todo mundo.
Nessa vida (a menos que tenhamos algum grave problema psicológico), não somos nada sem o outro. É ele quem nos ajuda a levantar, a sermos mais humildes, mais empáticos e sairmos desse lugar de egoísmo em que pensamos 24 horas por dia apenas nas nossas necessidades.
Existe um grande ganho em se doar, tanto quanto em receber a doação de quem o outro é. Mas é um dia de cada vez... com paciência, sabendo que a nossa vida, assim como aconteceu com Archibald, não é linear. Teremos nossos dias de mau humor, de estarmos mais voltados para nós mesmos, de nos sentirmos mais pessimistas, e tudo bem! O principal é reconhecer esses momentos, e não permanecer neles. É permitir que os Dickon entrem na nossa vida, e nos transforme através de um olhar novo. Isso é que torna as nossas relações ainda mais especiais. E que torna esse livro, uma verdadeira preciosidade repleta da mais pura e bela Mágica.
?Uma das coisas que as pessoas começaram a descobrir no último século é que os pensamentos ? meros pensamentos ? são tão poderosos quanto baterias elétricas, e podem ser tão benéficos quanto a luz do sol, ou tão nocivos quanto um veneno. Permitir que um pensamento triste ou sombrio entre na cabeça é tão perigoso quanto deixar o germe da escarlatina penetrar no corpo. Se a gente o deixa ficar depois que ele entra, corre o risco de nunca mais se livrar dele pelo resto da vida?. ? Frances Hodgson Burnett, ?O Jardim Secreto?.
Obs.: sobre essa frase final, como eu gosto dizer: Lembre-se sempre de que esses pensamentos não são de Deus! ?????