Tiago600 22/12/2021
Olhe atentamente
No que tange o aspecto artístico seja ele cinema, literatura, música etc, nunca sou a pessoa que diz: "Livro necessário". "Um filme que todos devem ver", "Texto que precisa ser urgentemente lido" e etc. Para mim, a arte tem que se sustentar por si mesma e todos são livres para lerem/assistirem/ouvirem o que quiserem. No entanto, não sou ingênuo ou cínico ao ponto de fingir que não existem pesos distintos, disparidade ao longo da história e um grave problema de espaço que as minorias orbitam nesse universo artístico. Quando digo "minoria" me refiro ao nicho que são alçadas, não falo quantitativamente. Mulheres, negros, a comunidade lgbtqia+ e tantas outras "minorias" seguem marginalizadas. Fato. Faz bem estar atento sobre isso e salientar essa realidade sempre que possível. Dito posto, ao que interessa.
De verdade, consigo entender o terror na mente de Adorno quando o filósofo sentenciou: "não é possível existir poesia após Auschwitz". Compreendo essa dor e angústia pois o Século 21 se tornou um campo onde holocaustos acontecem day by day. Sempre me pego pensando onde a poesia se insere nos dias que se seguem. Francamente, não posso cravar essa resposta. Suspeito que ela se encontre no conflito, visto que antes de qualquer "apaziguamento", o atrito se coloca em primeira instância. Primeiro conflito, depois discussões sob pontos distintos e só depois de muito debate, um denominador comum. Muito sangue inocente é derramado no meio desse processo, no entanto, a mecânica atual infelizmente se configura assim e não cogita pensar de outra forma. Uma pena ter de escrever isso.
Danez Smith é um poeta negro, HIV-positivo, homossexual. Seus brilhantes poemas versam sobre conflitos raciais, de gêneros e afins. 1) Que bom que livros assim estão sendo publicados no Brasil. 2) Como dói alguns versos.
Dói pois são versos que não estetizam ou romantizam qualquer espécie de barbárie. Dilacera pois demonstra que poesia e brutalidade sempre habitaram o mesmo local. Sei disso pois o bairro onde nasci e fui criado sempre se pautou nesse código, acontece que antes eu não tinha as palavras certas para estrumentalizar o que escrevo aqui, hoje, agora. Sendo bem preciso, como passar direto por versos assim: "você espera que eu dance quando todos os dias alguém que se parece com todo mundo que eu amo está num tiroteio armado só com a pele? [...] leitor, é manhã de novo e, em algum lugar, uma mãe está passando as mãos dela pelos ombros frios de sua semente."
Bem, acho que é isso. Livraço.