Fabio Shiva 22/03/2021
Original e corajoso
Li com crescente angústia os dois contos que compõem esse petardo literário enigmaticamente intitulado “Ultraluzidiogravitacional”. A prosa de Rogério Puerta é instigante e absolutamente original, uma voz literária de timbres únicos e inconfundíveis, onde se mesclam em generosas proporções a erudição linguística, o pessimismo existencialista e um improvável e quase inconsciente lirismo, que muitas vezes nos dão a impressão de estarmos lendo uma poesia em prosa.
É muito interessante a maneira como Puerta aborda as grandes tragédias e misérias humanas, com um distanciamento frio e analítico que geram uma espécie de choque térmico no leitor. Até por conta da temática de ficção científica das histórias, tive por vezes a impressão de estar lendo um texto produzido por uma “engine” literária, uma espécie de inteligência artificial emulando a expressão humana da escrita. Devido a sua própria originalidade, imagino que a leitura desse livro não irá agradar a todos. Contudo não consigo imaginar de forma alguma alguém dizendo, a respeito dessa obra: “Já li outros livros parecidos.” Palmas e vivas para o autor, portanto, por sua corajosa autenticidade literária.
O livro abre com “O brusco cessar da cacofonia humana”, que narra um cataclismo ocorrido em um futuro próximo, que deixa um único sobrevivente, Kayo, em meio a nove bilhões de seres humanos exterminados:
“Algum risco e atrevimento lhe seria recomendável para sua imprescindível manutenção enquanto único ser humano a respirar o ar do planeta Terra.”
Tive a impressão de captar algo da visão de mundo do autor, expressa em dois temas recorrentes: a celebração do Princípio do Prazer e o repúdio a toda e qualquer religiosidade.
“Enquanto sentisse algum prazer, mínimo que fosse, a luta valeria a pena, ao final sempre valeria as penas.”
“A Humanidade não se mostrou capacitada, jamais evoluiu ou abandonou ainda que parcialmente os seus deletérios e perigosos conceitos místicos e esotéricos, jamais se permitiu a contento aos sobrevoos livres de consciência plena, o raciocinar abrangente e desimpedido das mentes aclaradas e límpidas libertas da castração e dúvida gerada pela fé.”
A história seguinte é “Covid-19/666”, que como o próprio título indica tem como tema a pandemia do novo coronavírus, que é poeticamente descrito pelo autor como:
“O vírus portador de eutanásia.”
Um escritor precisa ter coragem para escrever uma história de ficção sobre um tema contemporâneo tão polêmico e cujas repercussões ainda estão longe de serem conhecidas de forma mais ampla. Mais uma vez, portanto, palmas e vivas para Rogério Puerta!
Uma sacação que achei muito interessante foi a de virar o tema apocalíptico de ponta-cabeça, pela concepção da figura do “Antissatã”:
“Satã salivando em gozo e expectativa haveria de expor cenário simultâneo onde um Antissatã lamentaria o peso da derrota em justa e equânime queda de braço.”
O tema mórbido e pesado não impede o autor de nos brindar, aqui e ali, com a fina ironia que consegue nos arrancar um sorriso dos lábios:
“É muito bom morar no Brasil de vez em quando.”
E viva Rogério Puerta! E viva nossa Literatura Brasileira!
“Ultraluzidiogravitacional” está disponível para download no Recanto das Letras:
https://recantodasletras.com.br/e-livros/7170722
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