Toni 03/03/2022
Leitura 058 de 2021
Ñ vão nos matar agora [2021]
Jota Mombaça (RN, 1991-)
Cobogó, 2021, 144 p.
Há algumas semanas postei no feed um trecho deste livro (se não viu, veja). “Ñ vão nos matar agora” nos traz 11 ensaios e 2 cartas (“Carta às que vivem e vibram apesar do Brasil” da autora e “Carta à escritora de vidas infinitas” da Cíntia Guedes) que apresentam horizontes epistemológicos para se pensar até mesmo o que entendemos por epistemologia e os pressupostos com os quais construímos nossos saberes. Mesmo sem citar diretamente Audre Lorde, as propostas aqui reunidas recusam o lugar de vida precária não-enlutável e respiram profundamente aquela certeza de que as ferramentas do opressor nunca serão capazes de desmantelar a opressão.
Anuncia a escritora que espalhadas ao longo de seu livro “estão pistas mais-do-que-críticas”: “é tudo experimento na borda das coisas, lá onde estamos prestes a dissolver as ficções de poder que nos matam e aprisionam; lá, aqui, todas essas geografias onde fomos saqueadas, e nos tornamos mais-do-que-aquilo-que-levaram; onde fomos machucadas, e nos tornamos mais do que um efeito da dor; onde fomos aprisionadas, e nos tornamos mais do que o cativeiro; onde fomos brutalizadas, e nos tornamos mais do que a brutalidade. Lá, aqui, onde fomos assassinadas, e nos tornamos mais velhas que a morte, mais mortas que mortas, e nesse fundo [...] fecundamos a vida mais-do-que-viva, a vida emaranhada nas coisas” (p. 19).
Assim, incrivelmente cortantes, os manifestos da artistativista trans Jota Mombaça conjugam pensamento, experiência, corpo e prática à desordem da invenção desestruturadora dos designs da violência e das ficções de poder. Partindo da “quebra”—essa força incontrolável que viabiliza “a presença aberrante e desobediente de gênero”—a autora desenha um projeto de justiça social centrado na redistribuição da violência: contra a brutalização diária provocada pelo pensamento cisheteronormativo, eurocêntrico, neocolonial, racista, sexista, supremacista branco e neoliberal, Mombaça traça o caminho de um novo marco civilizatório, verdadeiramente ético porque não mais à espera da auto-regulação de sistemas assassinos e excludentes.