Cássio Cipriano 16/06/2023Você seria feliz vivendo do jeito que os outros querem?Uma boa história, com conflitos interessantes (até certo ponto) e personagens facilmente identificáveis, por viverem dilemas e dramas comuns a muitos homens gays. As questões abordadas vão além da sexualidade, permeiam temas como relações familiares, amizades, solidão, violência, religião, hipervalorização do corpo, mas o que eu achei mais interessante foi o que dá sentido ao título: a reflexão sobre uma vida padrão, que é imposta à maioria de nós, mesmo às pessoas que estão fora dos padrões, e simplesmente é uma roupa que não nos cabe, mas é difícil nos dar conta disso. É um processo que leva tempo e, nessa história, vamos basicamente acompanhar o protagonista ao longo da sua jornada desconstrução, enfrentando seus medos, angústias e pessoas pelo seu caminho.
Matheus é um jovem de vinte e poucos anos, que trabalha num shopping, sonha em ser ilustrador e ainda mora com os pais conservadores. Na narrativa, ele revela seus desejos, suas ambições, seus preconceitos, e se mostra irritante em alguns momentos, mas eu achei isso muito legal, pois como a narrativa é em 1ª pessoa, a gente se sente dentro da mente dele, acompanhando seus pensamentos bons e ruins, éticos ou não. Porém, a narrativa em alguns momentos é dividida com o Gabriel, um homem mais velho que ganha a vida se exibindo no OnlyFans, e eu confesso que consegui sentir mais empatia por ele. Achei os conflitos do Gabriel mais complexos, inclusive, gostaria de ter lido mais sob o ponto de vista dele, já que a narrativa na maior parte de tempo fica com o Matheus.
A história me prendeu em boa parte do tempo, mas lá pelos 40 e tantos capítulos (de um total de 60) acabou ficando maçante. Achei que muitas coisas demoraram pra acontecer e, já pro final, aconteceram muitas coisas pesadas/dramáticas de uma vez só, que acabaram transformando a narrativa num caos para mim. Acho que todos esses conflitos poderiam ter sido melhor distribuídos ao longo trama, para ter mais fluidez. Inclusive, tem um capítulo narrado pelo Gabriel, já mais pro final, em que ele conta várias coisas que fariam mais sentido terem sido apresentadas antes.
A organização da narrativa também me incomodou um pouco. A história é narrada na maior parte do tempo pelo Matheus, em 1ª pessoa, e no primeiro momento em que o Gabriel aparece, a narração muda para 3ª pessoa. Porém, num dado capítulo, o livro passa a intercalar os pontos de vista do Matheus com os do Gabriel, dentro dos mesmos capítulos, e depois tem mais um momento de narração em 3ª pessoa e, mais pro final, tem um único capítulo narrado pelo Kleber, irmão do Gabriel. Isso tudo foi meio confuso, pois não aconteceu de forma linear e bem estruturada. Tinham capítulos intercalando pontos de vista, depois já não tinha mais, aí o Gabriel voltava a narrar. A meu ver, essa organização poderia ter sido melhor, com os pontos de vista intercalados desde o começo, e o autor sinalizando quando a voz de cada personagem ia entrar, e as partes em 3ª pessoa não fizeram sentido, já que poderiam ser narradas pelo Gabriel.
No fim das contas, não foi algo que atrapalhou a leitura, mas revela um certo descuido que pode incomodar ou mesmo confundir alguns leitores. De todo modo, é uma boa história, com bons conflitos, cenas hot bem escritas, e que entrega muito além do hot. Fiquei sabendo que terá uma nova edição, lançada por uma editora. Acredito que o autor, junto de outros profissionais envolvidos na produção editorial, irão lapidar ainda mais a história e deixa-la redondinha na nova publicação.