Privatização da Cultura

Privatização da Cultura Chin-Tao Wu




Resenhas - Privatização da Cultura


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Antonio Luiz 12/08/2010

A Arte do Negócio
Por séculos, a arte de qualidade dependeu de poderosos como César Augusto (e seu ministro Caio Mecenas) e os Médici, para os quais os grandes artistas eram dependentes a serviço de sua própria grandeza, até a revolução burguesa criar um mercado mais amplo e pulverizado e dar alguma liberdade aos artistas.

O estado de bem-estar social, por meio de bolsas a jovens artistas e do financiamento de museus (direto ou por renúncia fiscal), prometeu ainda mais abertura à experimentação e a valores culturais democráticos, ao impor às curadorias críticos, historiadores, artistas e representantes da comunidade. Em 1971, um colunista escrevia no New York Times: “terminou a era dos museus como feudos privados. Os curadores terão de merecer suas cadeiras sem se valer apenas do dinheiro e de um nome importante”.

Ledo engano. Historiadora da arte e pesquisadora da Academia Sínica de Taipé e da Universidade de Londres, a chinesa (de Taiwan) Chin-Tao Wu narra, em Privatização da Cultura, como os governos de Ronald Reagan e Margaret Thatcher subordinaram as instituições artísticas às grandes empresas e ao mercado e como essa política foi aprofundada por governos subseqüentes, principalmente o de Bill Clinton nos EUA e o de Tony Blair no Reino Unido.

Na Tate Gallery, por exemplo, os curadores do setor empresarial passaram de quatro dos dez escolhidos nos anos 70 para nove dos onze nomeados na década seguinte. Margaret Thatcher não só procurou os milionários do momento, como cortou as verbas públicas para forçar as instituições a se dobrarem a seus métodos e prioridades.
No Victoria & Albert Museum, foi nomeado Maurice (hoje lorde) Saatchi, presidente da agência responsável pelas campanhas da primeira-ministra. Os demais curadores logo tiveram de engolir a apresentação de suas propostas por um jovem funcionário da Saatchi & Saatchi – incluindo a venda de ativos e a cobrança de ingressos – em letras grandes numa folha de papel, “como se estivessem numa aula de leitura do primário”, queixou-se o historiador da arte Martin Kemp. Era 1989: o famigerado PowerPoint ainda não era moda.

Além de forçar a venda de seus serviços aos museus e promoverem as obras e artistas de suas coleções pessoais, curadores-empresários fizeram dos museus e das premiações um misto de vitrine de marcas e produtos, bufê de luxo para recepções das grandes empresas, parque temático e franquia multinacional.

Foi pior que um retrocesso. Os mecenas queriam mostrar bom gosto e magnanimidade e os filantropos do século XIX e XX diziam servir ao público. Com ou sem hipocrisia, a autopromoção devia ser sutil, deixando a beleza e os valores culturais no primeiro plano. Já os novos curadores corporativos defendem abertamente a necessidade de garantir altas taxas de retorno para seu investimento, promovendo suas empresas, produtos e coleções artísticas.

A vodka Absolut não só deu nome a uma exposição do Museu de Arte Moderna de Oxford, como destacou nela uma pintura cujo tema era sua garrafa. Na pátria de Chin-Tao, o banco holandês ABN-Amro pendurou enormes reproduções de Van Gogh nas praças de Taipé, junto com moinhos de vento coloridos e enormes cartazes com o auto-retrato do pintor holandês a segurar um cartão de crédito ilustrado com uma de suas obras. O atual presidente de Taiwan – Chen Shui-pien, então prefeito –, fantasiou-se de Van Gogh, de barba e paleta, para promover a inauguração dessa “exposição de instalações de arte pública”.

Executivos decidem as compras de arte para os museus ou para os saguões de suas empresas. Preocupados com sua imagem ante seus patrões e a de suas empresas ante sócios e clientes, tais compradores fogem de obras que expressem idéias controvertidas e tensões sexuais, raciais, sociais e políticas. Promovem e supervalorizam obras que, figurativas ou abstratas, devem ser neutras, assépticas, decorativas. Os artistas, intimidados, se adequam à demanda. O grande capital se apropria do gosto e da arte para esvaziá-los de qualquer conteúdo além do lucro.
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