Tiago 08/11/2023
Uma Virginia a todo vapor com a escrita
O segundo volume dos diários de Virginia Woolf, que seguem de 1919 a 1923, trazem um tom menos pesaroso em relação aos acontecimentos do primeiro volume. A principal razão reside no fato de que já não são mais anos de guerra. Há, no segundo volume, uma Virgínia mais despojada, colhendo os frutos de A Viagem, seu primeiro romance e a publicação de seu segundo e terceiro romances, Noite e Dia e O Quarto de Jacob, além de um livro de contos, Segunda ou Terça. São anos, portanto, muito frutíferos para a escritora. Está atenta às impressões causadas em seus amigos e em críticos de jornais; segue construindo uma carreira literária através de seus frequentes ensaios e críticas encomendados, de onde tira o dinheiro juntamente de sua editora, a Hogarth Press, que daria a ela também espaço para realizar sua liberdade artística, visto as limitações que encontrava na editora de seu irmão. No dia 2 de abril de 1920, página 64 do segundo volume, ao apresentar o manuscrito de Noite e Dia para o meio-irmão Gerald Duckworth, ela registra:
“Ontem levei Noite & dia para Gerald, & tive uma entrevistazinha semiprofissional com ele em seu escritório . Não gosto da visão masculina do Club sobre a literatura. (...) Então abrimos o embrulho, & ele gostou do título, mas ficou sabendo que Miss Maud Annesley escreveu um livro chamado Nights & Days [Noites e dias] – o que poderia trazer problemas com a [biblioteca] Mudies. Mas com certeza gostaria de publicá-lo; (...) O efeito perturbador da companhia não é mais tão imenso quanto antes.”
Há diversas perspectivas pelas quais é possível ler um diário. Há ali uma miríade de informações, que tangem o que há de geral, em termos de costumes sociais, e particulares, que dizem respeito à rotina e peculiaridades dos autores. Principalmente leio como uma investigação do desenvolvimento da técnica, da pesquisa e das motivações do autor durante a escrita de suas obras. Por exemplo, após seus dois primeiros romances, A Viagem e Noite e Dia, escritos em estrutura clássica, Virgínia anuncia a mudança de estilo que pretende fazer com a concepção de O Quarto de Jacob. Na passagem de 15 de novembro de 1919, página 139, ela anuncia:
“Creio que consigo adivinhar na minha relutância em escrever uma frase não apenas a falta de tempo & a cabeça cansada de escrever, mas também um desses ligeiros descontentamentos que sinalizam uma mudança de estilo. Assim deve se sentir um animal quando troca de pelagem com a chegada da primavera. Será assim para sempre? Será que sempre irei sentir essa superfície de mercúrio na minha linguagem, e estarei sempre sacudindo-a, para que mude de forma?”
Entre a concepção do romance em novo estilo e sua publicação seguem pouco mais de dois anos: ela o inicia no dia 16 de abril de 1920 e a publicação se dá em 26 de outubro de 1922. Não é sem alguma relutância, insegurança que ela o constrói. Em parte é tomada pelos ensaios encomendados que escreve, pelos períodos de crise nervosa e pelos períodos de imensa insegurança com seu processo de escrita. Em 8 de maio de 1920, página 188, relata acerca de iniciar o novo projeto literário que viria com seu Jacob:
“Estou um pouco ansiosa. Como levar essa concepção a cabo? Tão logo começamos a trabalhar, somos como um caminhante que já viu o campo estender-se à sua frente antes. Não quero escrever neste livro nada que não me agrade escrever. Contudo escrever é sempre difícil.”
Enquanto concebia o terceiro romance, James Joyce arrancava elogios de T.S Elliot e de outros críticos com o fluxo de consciência de seu Ulysses. Na passagem de 26 de setembro de 1920, página 232 dos diários, Virgínia se queixa:
“Pensei que o que estou fazendo provavelmente está sendo melhor feito por Mr. Joyce. Então comecei a me perguntar o que estou fazendo: a desconfiar, como de costume nesses casos, de que não tracei meu plano com clareza suficiente– daí esse definhar, queixar-se, hesitar– sinal de que estamos perdidos.”
Os diários trazem o que há de mais mundano nos dias de seus autores, revelando suas inseguranças tão humanas. Ao nos depararmos com os detalhes de suas vidas privadas, descobrimos que não são feitos de nada além de qualquer um de nós. Poderíamos desconfiar que Virgínia, durante a escrita de Jacob ou mesmo de Mrs. Dalloway, que é considerado sua obra prima, tinha uma certeza quase absoluta, uma visão plena de seu projeto literário, e que em momento nenhum havia considerado coisas como lançar ao fogo o manuscrito, como considera algumas vezes fazer com Mrs. Dalloway, até então intitulado como As Horas, como segue na passagem de 6 de agosto de 1923, pág. 483:
“O demônio sugere que eu leia As Horas. Escasso, fraco é o que me parece. Meu consolo é que eu posso atacá-lo como eu quiser. E se ainda assim sair ruim, à lareira com ele”.
Outro dado de destaque desses anos é a compra de Monks House, que se tornaria a sede do Grupo Bloomsburry. A mudança definitiva se dá em 7 de setembro de 1919. Na quinta, 3 de julho, Virginia dedica um longo relato sobre o leilão que culminou na compra da casa:
“Somos donos de Monk’s House (essa é praticamente a primeira vez que escrevo um nome que espero escrever muitas milhares de vezes, antes de me cansar) para sempre.”
Também no segundo volume há dois outros grandes destaques que faço durante a leitura: o primeiro é sua relação com Katherine Mansfield, que se desenvolve numa gangorra que vai da oposição à admiração. Virginia não admite a qualidade dos contos de sua amiga rival até o momento da morte de Katherine, que se dá no início de 1923. É cômica e comovente a relação que as duas estabelecem.
Outro grande destaque é a chegada de Vita Sackville-West na vida de Virginia. Isso se dá ao fim de 1923, e só nos próximos volumes acompanharemos o desenvolvimento da relação das duas. Depois de Katherine, imagino ser Vita a figura feminina de grande importância na vida de Virginia.