Triste República

Triste República Lilia Moritz Schwarcz...




Resenhas - Triste República


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Paulo 22/12/2022

Muitos de nós conhecemos Lima Barreto a partir de romances como Clara dos Anjos ou Triste Fim de Policarpo Quaresma. Romances que o tornaram um clássico entre os escritores nacionais. Mas, o bom malandro foi também colunista de jornal e era bastante engajado na cultura e na política da Primeira república. Esteve em jornais como A Careta, Fonfon, A Noite ora publicando suas colunas ou seus romances na forma de folhetins. Spacca, um cartunista de bastante rodagem, fez uma profunda pesquisa orientada por Lilia Moritz Schwarcz e coloca para nós, leitores, uma visão sobre A Primeira República muito interessante partindo da vida de Lima Barreto e de suas colunas e nos ajudando a enxergar fatos importantes deste momento inicial da república no Brasil. Um período histórico que, confesso, não tenho muito apreço ou interesse, mas que a prosa de Spacca me ajudou a ter um pouco mais de carinho. Aliás, terá sido a escrita do Spacca mesmo ou as citações que ele usa do Lima Barreto? Bem, se foi o bom roteiro do cartunista ou as falas mordazes de Barreto, o importante é que esse período histórico ganha mais cores neste bom quadrinho.

Como qualquer quadrinho informativo, o foco está no conteúdo apresentado pelo autor. Sei que a Lilia foi a orientadora do projeto, e a Lilia é maravilhosa, mas queria mais focar no Spacca como autor e desenhista. O leitor vai perceber de cara que a arte dele é mais cartunesca e invoca o espírito descontraído e irônico desse meio, puxando quase para o espírito chargista. Mas, entendi que o cartum é usado com um pouco mais de seriedade até para se concentrar em acontecimentos da época como mostrar o que foi a política dos governadores, ou apresentar a Exposição Universal ou a atuação de Anita Malfatti durante a Semana de 22. Os personagens estão todos ali. Claro que tem uma pegada mais leve com traços exagerados, o que ajuda a dar leveza ao quadrinho. E tem momentos em que precisa ser leve ao falar de acontecimentos mais pesados como a Revolta da Chibata ou Canudos. Minha crítica é que eu queria ter visto mais da arte do Spacca, com quadros mais soltos. É importante ter a informação precisa e em grande volume, mas, por exemplo, para quem como eu é professor e gostaria de usar os quadrinhos isolados em uma prova, a seleção se torna bem mais complicada. Se torna necessário usar sempre o todo e quase nunca um trecho ou outro. Tem um quadro incrível mostrando o trajeto seguido pela Coluna Prestes, mas é um quadro difícil de ser usado porque ele está interpolado com outros, se tornando complicado usá-lo separado.

A edição da Quadrinhos na Companhia está bem legal, em capa brochura, bem simples e sem grandes frescuras. E eu concordo totalmente com a escolha da editora porque se torna essencial baratear o custo para que a HQ possa chegar no máximo número possível de mãos. Achei até exagerado ter usado papel couché, podendo ter usado um mais simples como um off-white, por exemplo. Esse é um daqueles trabalhos voltados para escolas ou até como referência para professores. Por exemplo, para mim ele é bem útil porque me ajuda a lembrar de detalhes de alguns acontecimentos sem que eu precise consultar materiais mais específicos. Sem contar que posso usar trechos nas minhas aulas, como observei acima. Ao final do quadrinho tem uma cronologia com a vida de Lima Barreto, seus trabalhos, a data de lançamento de seus livros na época, intercalando com fatos importantes da época. A seguir, Spacca nos deixa uma boa quantidade de referências bibliográficas de suas pesquisas, com alguns materiais bastante conhecidos e outros mais específicos (nada como ver um clássico como A Formação das Almas, do José Murilo de Carvalho sendo referenciado). E, mais legal ainda, tem um índice remissivo com onde o leitor pode encontrar os quadros que falam de determinados assuntos.

Na minha visão, Spacca foi muito feliz ao escolher a vida de Lima Barreto para traçar as características da Primeira República. É fácil nos voltarmos a João do Rio, um escritor tradicional sobre o Rio de Janeiro para buscarmos entender a vida na antiga capital do Brasil, mas ver a visão de Lima Barreto é um sopro de ar fresco. Curiosamente, Lima Barreto teve uma vida curta (morreu aos 41 anos), mas pôde presenciar o final do período monárquico e quase toda a Primeira República. Viu os altos e baixos, os problemas, as polêmicas e acompanhou de perto a maneira como as oligarquias cafeeiras e os políticos corruptos tomaram conta do Brasil da época. Algumas de suas colunas possuem críticas ferozes, que destoam bastante de alguns intelectuais mais alinhados com o espírito da época. Spacca não é um biógrafo apaixonado e nos mostra os problemas da vida do escritor sem papas na língua. Lima era alcoólatra, chegou a ter um contato com o movimento feminista embora nunca tenha o aceitado, fez um discurso contrário à Semana de 22 que afetou Anita Malfatti profundamente. É uma biografia sincera e que parte de fatos, sem juízos de valor.

A vida de Lima Barreto foi bastante conturbada. Tendo nascido em uma família que precisou batalhar bastante para conseguir seu sustento, viu de perto as comemorações da assinatura da Lei Áurea e o pouco efeito que isso teve para uma população que permaneceu marginalizada. Embora nós celebremos o escritor e ele faça parte de um grupo marcante de estrelas como Machado de Assis, Aloísio de Azevedo, José de Alencar, entre tantos outros, Barreto nunca teve o merecido reconhecimento na época em que escreveu. Suas obras eram incompreendidas e, como tiravam espelhos de sua própria vida, eram vistas com olhos tortos pela intelectualidade. Livros que pouco ou nada vendiam e, mesmo quando Monteiro Lobato foi seu editor e o colocou sob sua batuta, não teve a popularidade que merecia. Ele tentou diversos projetos paralelos, nunca conseguindo ir longe neles porque eles encalhavam. Vendia suas colunas a preço de banana, meramente para ganhar seu sustento e ajudar uma extensa família. Muito jovem ele se tornou o principal provedor da casa, já que seu pai foi encostado, com graves problemas de saúde. De certa forma me entristece ver o quanto ele era à frente de sua época em muitos sentidos e o quanto ele não conseguia atingir o patamar que desejava.

Falando sobre a forma como o período nos é apresentado, ele é riquíssimo em informações. Para aqueles que buscam conhecer mais sobre o período, esse é um ótimo material de entrada. Gosto de como Spacca nos traz as informações sem aquela divisão chata que vejo em vários livros didáticos, apresentando os acontecimentos por presidente. Spacca separa em grupos temáticos, indo e voltando quando é necessário e explicando todo o contexto de uma forma simples e direta. Os acontecimentos se sucedem de uma maneira orgânica e conseguir encaixar tudo em aproximadamente 180 páginas ao mesmo tempo em que fala da trajetória de um autor prolífico como Lima Barreto não foi uma tarefa simples. Do ponto de vista historiográfico e do ponto de vista quadrinístico, o material me agrada. Só, como comentei antes, teria dado mais espaço para a arte se espraiar.

Entender mais sobre a Primeira República é essencial nos dias de hoje. Parando para refletir sobre a política dos governadores, o coronelismo, os movimentos sociais da época, o voto de cabresto, é assustador o quanto esse período tem muitas similaridades com os dias que vivemos hoje. Muitos dos críticos atuais costumam buscar as raízes dos problemas que vivemos hoje na ditadura iniciada em 1964. Acho que 2022 tem muitas similaridades com as primeiras décadas do século XX. Com militares buscando reforçar seu poder, com uma classe latifundiária que não vê escrúpulos ao comprar votos ou ao usar de todo tipo de expediente corrupto para se perpetuar no poder. Ou movimentos sociais que buscavam mitigar a fome e promover mudanças reais sendo reprimidos com força pelas polícias locais. Ou em como o preconceito e a xenofobia eram a ordem do dia, seja em acontecimentos como a Revolta da Chibata ou em situações como uma imigração desordenada ao Brasil. A Primeira República é um oceano de corrupção e ninguém escapava disso. Homens com boas intenções como Ruy Barbosa e sua campanha civilista eram atropelados pelos interesses de poucos. Vale a leitura para vermos como parece que não aprendemos com o passado e costumamos repetir nossos erros.

Triste República é um trabalho de fôlego que gostaria de ver chegar ao máximo número possível de mãos. Que tem todo o potencial para passar por um processo de seleção como o do PNLD Literário e chegar às escolas públicas espalhadas por todo o Brasil. Ao mesmo tempo, é uma boa HQ para que possamos conhecer mais sobre este período sem precisar ler materiais mais pesados. Ou até mesmo um material de consulta ou de preparação de aulas para um professor de História ou de Literatura. Os meus parabéns para Spacca e para a orientação sempre precisa da Lilia Moritz Schwarcz.

site: www.ficcoeshumanas.com.br
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Biblioteca Álvaro Guerra 20/10/2023

Guiados pela narrativa da vida desse personagem fundamental que é Lima Barreto (1881-1922), vemos nascer a República brasileira, carregada de marcas autoritárias, num “mundo em que a cor atua como marcador e discriminador social”. Escritor militante, como ele mesmo se definia, Lima professou ideias políticas e sociais à frente de seu tempo, com críticas contundentes ao racismo (que sentiu na própria pele), aos estrangeirismos e outras mazelas crônicas da sociedade brasileira. Em Triste República, o cartunista Spacca e a historiadora e antropóloga Lilia Moritz Schwarcz ― autores de As barbas do imperador e D. João Carioca ― voltam a contar a história do Brasil em quadrinhos, desta vez investigando a Primeira República e prestando um tributo essencial a um dos maiores prosadores da língua portuguesa de todos os tempos.

Livro disponível para empréstimo nas Bibliotecas Municipais de São Paulo. Basta reservar! De graça!

site: http://bibliotecacircula.prefeitura.sp.gov.br/pesquisa/isbn/9786584953000
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o jornaleiro 13/03/2023

Encheu o saco
O livro é muito, muito, muito prolixo. Mistura a história de Lima Barreto junto à República sem uma costura entre quadros, texto e a aparente ligação entre os temas. Em toda página virada, o leitor se deflagra com um milhão de textos e artes, que não se conversam, ao mesmo tempo em que pouco avança a história.
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David.tonet 31/12/2023

Talvez o melhor livro de 2023
Simplesmente incrível. O jeito que o autor mesclou a vida e obra de Lima Barreto com a história inteira da primeira república é genial. O livro é cheio de repertório, história e cultura.
100% recomendo :)
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