sagonTHX 21/04/2011VOCÊ NUNCA MAIS VAI QUERER ANDAR DE METRÔ DEPOIS DE LER ESSE LIVROComprei o livro por causa do game Metrô 2033, desenvolvido pela A4 Games (a mesma do maravilhoso S.T.A.L.K.E.R.) e distribuido pela THQ. A história do game é basicamente a mesma do livro, recriando com exatidão os cenários subterrâneos do metrô e da cidade devastada, com um enfoque maior no terror e na ação. Ler o livro e jogar o game foi uma experiência única. Para os que puderem fazê-lo, recomendo.
Quanto ao livro, posso dizer que Dmitry é excepcional. E não sou somente eu quem pensa assim. Há uma legião de fãs se formando lá fora – e até mesmo aqui no Brasil -, admirando essa obra notável. Tanto que Dmitry já fez a continuação - Metrô 2034 (ainda inédito aqui no Brasil) -, e já se encontra em negociação com os estúdios de Hollywood para uma produção cinematográfica do livro. E não é para menos. Metrô 2033 é um daqueles livros que nasceram para marcar época. A obra, como um todo, fascina, empolga, apavora, sensibiliza, emociona e nos faz refletir. Dmitry reflete sobre o mundo, as pessoas, a vida, o cotidiano, a política, a religião, o misticismo, as fantasias, os amores perdidos, a família… e com ele nós refletimos, também.
Em Metrô 2033 os trilhos da malha viária de Moscou servem a outro propósito. As estações de trem foram transformadas em pequenas cidades onde o que sobrou da humanidade – é o que se supõem -, busca manter nos subterrâneos a civilização que, na superfície, se desintregara com o colápso nuclear. Nesse universo asfixiante, tenebroso, último reduto da espécie humana, o autor nos desnuda um terror psicológico, trazendo à tona um dos medos mais antigos da humanidade, tanto da infância dos tempos ancestrais quanto da nossa própria infância. O medo do escuro. Neste quisito, Dmitry soube explorar com perfeição os meandros da escuridão. No livro, as trevas assumem formas monstruosas, quase demoníacas; os túneis parecem ter vida própria; vozes e sussurros podem ser ouvidos enquanto se caminha em meio ao negrume absoluto; os nossos pensamentos podem ser desviados de nossos propósitos, confundidos, aliciados e até aniquilados ante o horror que as trevas escondem. E no breu absoluto, onde a claridade das lâmpadas e das fogueiras parecem insignificantes ilhas solitárias, você jamais deve ficar sozinho. Essa é a regra básica para sobreviver nesse mundo subterrâneo, dominado por seitas, clãs, guerrilheiros, nazistas, comunistas, assassinos, militares, mercadores inescrupulosos, onde pessoas comuns se desgastam numa tortura constante pela sobrevivência.
Os sobreviventes não são mais do que rebotalhos de formas de vida que ainda se parecem com seres humanos, porém marginalizados, zumbificados, fantasmagóricas formas humanas vagando pelos túneis, arrastando consigo sua decadência e suas esperanças descarnadas, vivendo cada dia sempre acuados, receosos de tudo e desconfiados de todos. Lendas e mitos são criados a cada nova caravana que passa. Histórias fantásticas alimentando as conversas dos camaradas ao redor das fogueiras, bebericando bebida fermentada e onde se discute de tudo: política, filosofia, religião, sexo, drogas, armas, contrabando, mutantes, luzes misterioras no Kremlim e a invasão do metrô por formas de vida monstruosas. De uma dessas rodas de amigos, ao redor de uma fogueira, surge nosso protagonistas: Ayrton. Um jovem de 20 anos, órfão – sua mãe foi morta por um bando de ratos mutantes quando era bem menino, e ele foi salvo por um estranho -, que nos conduzirá pelos túneis do metrô para cumprir uma missão que lhe foi incumbida por Hunter, um caçador de mutantes e amigo do seu padrasto.
E ao longo de sua jornada, para cumprir sua missão e chegar à estação Polis, Ayrton encontrará pelo caminho pessoas interessantes, com personalidades inusitadas, quase ao acaso, enquanto outras aparecerão por causa de suas ações, e todas elas terão uma participação preponderante em sua vida, revelando-lhe particularidades do metrô que ele não conhece, enriquecendo a trama e tornando-a densa e profunda como as trevas que permeia tudo e esconde um mundo sombrio e sufocado em si mesmo. É impossível não abraçar a riqueza de detalhes que transbordam de cada página do livro. E quando chegamos à última págima, sentimos um imenso vazio dominar a nossa alma, apavorada diante do témino. O fim resume com maestria todo o contexto da obra.
As criaturas, os mutantes, os monstros, apresentados por Dmitry em sua obra, não são excepcionalmente diferentes dos muitos que já vimos em outros livros, ou mesmo no cinema. Porém são dígnos de medo, ódio e pena, conforme as circunstências se apresentam. De fato, o livro não se limita apenas a contar uma história de terror. Dmitry não quer apenas causar medo. O terror existe, mas não é a essência da obra. Metrô 2033 vai além. O autor nos conta uma história de vidas humanas, sustentando o pouco de humanidade que ainda lhes restam. E mesmo diante da própria extinção, o homem prova que pode ser tão egoista, arrogante, tirano, perverso e malígno como era antes do caos.
Metrô 2033 - ao lado de CRIANÇA 44 de Tom Rob Smith (Editora Record) -, é o melhor livro que li em 2010. Dmitry Glukhovsky demonstra que tem potencial literário e que acertou na dose, construindo um dos melhores cenários pós-apocalípse que já tive a oportunidade de ler.
A editora Planeta acertou em cheio com esse lançamento. Parabéns! E que nos brinde, em 2011, com Metrô 2034… pelo amor de Deus!
Esta e outras resenhas e notícias sobre o mundo literário você confere no blog da minha filha, Livia Mayara, "No Mundo dos Livros", neste endereço:
http://nomundodoslivros.blogspot.com/p/resenhas.html