gabriel 05/12/2021
Um passeio pela história dos videogames no Brasil
Gostei bastante desse livro, ele me tocou pessoalmente pois eu e o autor temos a mesma idade (uns trintões já quase quarentões) e passamos pelas mesmas coisas em momentos muito parecidos. O nível de coincidência entre nossas trajetórias foi absurdo, e como ele relata tudo em ordem cronológica (desde os anos 1980, passando pelos 90 e avançando), eu fui lembrando de tudo ao mesmo tempo em que ele relata, tornando a leitura incrível. Porém eu acho que ele exagera um pouco nos detalhes e isso torna a leitura um tanto repetitiva e desinteressante mais do meio para o final.
O foco das histórias são as experiências pessoais com os videogames, se iniciando na infância do autor, na década de 80. O ambiente dos fliperamas, das locadoras de games e dos consoles da época são muito bem retratados, com algumas ótimas histórias. O texto é muito feliz em mostrar quais foram os jogos importantes aqui no Brasil, o contexto que eles geravam (por exemplo, todas as lendas e histórias envolvendo o jogo Street Fighter II), resgatando um importante pedaço da nossa história. Tais histórias, perdidas hoje em tempos de internet e velocidade de informação, podem ainda ser encontradas dispersamente, mas aqui ele junta tudo e coloca em ordem cronológica, tornando a leitura uma bela viagem nostálgica (ou informativa, se você não viveu aquela época).
O mundo dos videogames no Brasil era muito diferente naquele tempo. Sem internet, jogávamos muito mais juntos, as informações circulavam de uma maneira diferente e mais "orgânica", criando um ambiente a parte todo especial. Revistas sobre jogos pipocavam, cada bairro continha diversas locadoras, em que podíamos emprestar videogames ou até jogá-los na própria loja. Este mercado entrou em decadência a partir dos anos 2000, e aqui, através das memórias do autor, ele é resgatado e descrito com riqueza de detalhes.
O autor também vai além dos videogames, pincelando um pouco do momento cultural do país em cada época (mencionando, ainda que brevemente, crises econômicas, programas infantis, bandas de música, etc). O autor era muito fã da apresentadora Xuxa; eu era mais uma criança do Bozo (achava mais caótico e aleatório). Ele jogou muito mais fliperamas, eu tive alguns consoles e jogava mais em casa, então nossas experiências divergiram em alguns pontos. Me senti como se tivesse conversando com um amigo daqueles tempos, o que foi maravilhoso.
É um livro, no entanto, que depende muito do seu interesse pelo assunto, e eu tenho minhas dúvidas se ele consegue ultrapassar este público. Ele usa muitos termos do universo dos videogames ("gameplay", imagem "pixelada", "multiplayer offline"), que jamais são explicados para o leitor, que se não for desse universo, fica boiando. Alguns detalhes poderiam ser omitidos, eu não preciso saber todos os jogos que ele comprou quando adquiriu o Playstation 3. Como o autor é vlogger, ele não entende que no vídeo isso passa batido (pois você só olha pro lado, toma uma água e toca pra frente), o livro requer atenção constante, então arrasta muito se você coloca detalhes exagerados. Acredito que o livro se beneficiaria de uma seleção melhor das histórias e dos momentos narrados.
Tudo, absolutamente tudo é narrado do ponto de vista do autor, sendo um livro quase autobiográfico. Porém a história dele é um pouco da história de todos da mesma geração, sendo então um livro que expande o seu foco, a partir desse olhar pessoal. Ele arrisca algumas análises mais abrangentes, mostrando como os fliperamas eram distribuídos na sua cidade (Curitiba, no estado do Paraná), adicionando algumas informações interessantes a esse respeito. Algumas análises, porém, para mim foram bola fora, como quando ele diz que "os brasileiros destruíram o Orkut" (o que não se sustenta na realidade, pois os brasileiros eram a própria razão de ser dessa rede social, que até mudou sua sede para o Brasil). Os brasileiros, na verdade, deram vida ao Orkut. Porém é a opinião pessoal do autor e isso é só um detalhe de passagem.
A quantidade de fatos mencionados é enorme, a nostalgia corre solta e fui lembrando de coisas que eu nem sabia que lembrava mais. A revista "Heroi", por exemplo, que fez um sucesso enorme aqui, é mencionada brevemente, explicando porque ela entrou em falência depois de um tempo. Era uma revista mais sobre desenhos japoneses, e eu nunca fui muito fã dessa área, mas amigos meus liam muito essa revista. Uma história engraçada foi quando pedimos esta revista numa banca de jornais (de um hippie meio velho, que ficava perto da nossa escola), e toda vez que pedíamos, ele entendia "Playboy" e ficava bravo. "Playboy? Não vende pra menor!", às vezes a gente nem queria a revista, mas só ia lá falar para depois rachar o bico. Enfim, o livro vai fazendo você resgatar várias histórias da sua vida, e só isso vai valendo muito a pena.
Acredito que o livro possa ser interessante a uma geração mais jovem, caso tenha curiosidade em saber como o mundo dos games, da tecnologia e o ambiente cultural daquelas décadas eram realmente, e o livro passa uma sensação muito grande de autenticidade. Velberan sabe escrever, e é um livro surpreendente para uma obra de estreia, dá pra ver que ele tem um talento para contar histórias. Tirando os defeitos já acima mencionados (e uma irritante mania de adicionar exclamações em tudo), é uma leitura que flui razoavelmente bem. Poderia, como já mencionado, limpar um pouco o texto e poupar alguns detalhes, que arrastam e tiram o interesse.
O livro tem alguns problemas de revisão, com pequenos erros de digitação ocasionais e alguns erros de português. São chatinhos, como todo erro, mas não chegam a comprometer seriamente a leitura. Estes problemas são mais comuns no meio do livro, parece que faltou revisão nessa parte.
Sei que não é uma obra de ficção, mas às vezes nos perdemos nos personagens (que são amigos do autor), então fazer uso de algum dispositivo que, de alguma forma, "desenvolva" os personagens, poderia tornar a leitura melhor. Isso é um problema também decorrente da quantidade de histórias que ele resgata, que carregam o texto e confundem um pouco. Algumas histórias são ótimas, mas outras nem tanto, então caberia uma seleção e deixar algumas coisas de fora. Alguns fatos são importantes para o autor, e isso é compreensível, porém é de se perguntar se é de interesse do leitor (que é quem vai ler o livro).
Por exemplo, nunca fui muito de ver animes e joguei pouco (quase nenhum) RPG, e nessa parte, quase fui convidado a pular, pois as coisas das quais ele falava não ressonavam em nada em mim. Então é um livro que, na verdade, vai muito de acordo com a vivência de cada um, para a pessoa dar um pulo e dizer "nossa, lembro disso". Se isso não acontece, a leitura fica muito desinteressante, e eu acho que o livro falha um pouco em apresentar isso a um outro público, mais amplo.
Então, ainda que eu tenha gostado bastante da leitura, isso se dá muito por motivos pessoais, pois eu sou exatamente o alvo do livro (em idade, em interesses, etc). Sinto que houve uma oportunidade desperdiçada aqui, poderia ser tranquilamente uma das melhores obras do gênero do país, se ela se focasse um pouco mais em menos histórias e informações, e explicasse alguns dos termos do mundo dos games. Minha mãe, por exemplo, jamais conseguiria ler um livro desses. Por mais que livros sejam direcionados a públicos, nunca é ruim se eles tentam expandir um pouco o seu alvo. Aqui ele está muito restrito a "quarentão que jogou videogame antigamente", o que é desnecessário.
Gostei muito também dos relatos dos primórdios da internet no Brasil, eu uso este recurso desde 1997 quando meu pai instalou as famosas redes discadas na nossa casa, como o autor é de Curitiba isso chegou mais tarde lá (eu sou de São Paulo), mas as histórias meio que batem. Usei muito a rede IRC naquela época (aparentemente, o autor não conhecia), o que pra mim foi o auge da internet no Brasil. Enfim, mas são histórias que não cabem aqui...
Antes de Instagram, havia o Fotolog nos anos 2000, que fez muitas pessoas adquirirem a fama (como a VJ da MTV, MariMoon), fato hoje completamente subestimado. Às vezes, parece que a internet surgiu na década de 2010, o que está longe de ser verdade. Deliciosos são também os relatos sobre os bons tempos do Orkut, rede social que deixou saudades. Algumas comunidades dessa rede são relembradas (como aquelas comunidades completamente aleatórias e engraçadas), uma época mais "de várzea" da internet, talvez mais sincera, e que aqui é relembrada muito bem.
Outro dia, li uma matéria na BBC que falava que Orkut era "voltado a uma elite, que tinha acesso a internet", e poucas vezes na vida li uma falsificação da realidade tão grande. É certo que a internet se popularizou cada vez mais, mas não precisava ser rico para ter uma. O livro, então, coloca alguns pingos nos "is", mostrando que antigamente também se vivia, e que não andávamos de carroça.
São muitas histórias e momentos, um belo passeio para quem gosta de videogames e tecnologia, para saber como foi a infância e juventude em outras épocas. Os relatos transbordam autenticidade, mas se perdem um pouco em detalhes que poderiam ser melhor trabalhados, o que me fez subtrair uma estrela da nota final. De toda forma, indico a leitura, que é uma verdadeira (e fascinante) viagem para o passado e extremamente nostálgico para quem viveu aqueles tempos.