Drica Bitarello 30/09/2010
Uma viagem sensacional
Eu sempre me surpreendo com Tariq Ali. Apesar de já ter lido vários livros dele, e de acompanhar a carreira deste paquistanês há algum tempo, acabo sempre descobrindo uma nova faceta deste escritor.
Mulher de Pedra não é um livro fácil de ser lido, já vou avisando. É denso, cheio de perspectivas e trata de um assunto pouco conhecido por nós ocidentais: a agonia do Império Otomano. Um Estado que durou pouco mais de 600 anos - de 1299 a 1922 e que, em seu auge, cobriu uma área que abrangia a região dos Bálcãs, Gibraltar, o Golfo Pérsico, se estendendo até o Iemen e o Sudão.
A história é narrada quase todo o tempo por Nilofer, a filha mais nova de Iskander Pasha, um aristocrata otomano cuja decadência serve de espelho a decadência do próprio Estado.
Nilofer é uma espécie de ovelha negra da família e a "Mulher de Pedra" do título é a ruína de uma divindade pagã que existe nos jardins do palácio de verão de Iskander. É aos pés desta deusa fria que gerações de mulheres e homens vem confessar seus segredos, seus pecados e seus amores.
O livros às vezes nos confunde um pouco, pois é repleto de flashbacks e cortes bruscos. É uma leitura que requer atenção aos detalhes e às entrelinhas. Página a página - uma marca registrada no estilo do autor - o leitor vai sendo apresentado a mais uma camada da família de Iskander e da personalidade de Nilofer e de seus irmãos. Como tema trecorrente nos livros de Ali, temos a relação homossexual, o incesto, a infidelidade e a crítica inteligente e sagaz das instituições políticas, dos regimes ditatoriais e dos estados teocráticos. Tudo isso sem perder o tom do romance, sem deixar o enredo cair na chatice (exceto por duas páginas, já no final do livro, onde dois personagens discutem a história do Império, mas nada que atrapalhe).
Além disso, Tariq Ali nos brinda com cenas primorosas do romance de Nilofer com outro personagem (não conto para não fazer spoiller), tratando-as com uma sensualidade intensa sem, no entanto, recorrer a descrições detalhadas do ato em si. Creio que o escritor estava em sua melhor forma no quesito romântico e sexy (mas nunca meloso!).
bem, mesmo que eu seja suspeita para falar, "Mulher de Pedra" fica entre os meus recomendadíssimos. Ganhou cinco estrelas e entrou para o rol dos favoritos!
(Terceiro livro do "Quinteto Islâmico", iniciado com "Sombras da Romãzeira" e "O Livro de Saladino")
PS: embora sejam de autores diferentes, sugiro a leitura de "De Volta a Istambul", de Elif Shafak, após "Mulher de Pedra", para queles que quiserem ter uma visão dos reflexos da queda do Império Otomano na Turquia moderna.
http://catalivrosromances2.blogspot.com/2010/09/mulher-de-pedra-tariq-ali.html