Bernardoo 25/05/2024
LIVRO DE MÁGOAS - FLORBELA ESPANCA
Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo!
E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim ...
E as lágrimas que choro, branca e calma, Ninguém as vê brotar dentro da alma! Ninguém as vê cair dentro de mim!
Ser-se novo é ter-se o Paraíso,
É ter-se a estrada larga, ao sol, florida,
Aonde tudo é luz e graça e riso!
O sol morreu ... e veste luto o mar ...
E eu vejo a urna de oiro, a balouçar,
À flor das ondas, num lençol de espuma.
Não tenho uma sombra fugidia
Onde poise a cabeça, onde me deite!
A minha pobre Mãe tão branca e fria
Deu-me a beber a Mágoa no seu leite!
Poeta, eu sou um cardo desprezado,
A urze que se pisa sob os pés.
Sou, como tu, um riso desgraçado!
A Flor do Sonho, alvíssima, divina, Miraculosamente abriu em mim,
Como se uma magnólia de cetim
Fosse florir num muro todo em ruína.
Desde que em mim nasceste em noite calma, Voou ao longe a asa da minha?alma
E nunca, nunca mais eu me entendi ...
Ah! não ser mais que o vago, o infinito!
Ser pedaço de gelo, ser granito,
Ser rugido de tigre na floresta!
Beija-me as mãos, Amor, devagarinho ... Como se os dois nascêssemos irmãos, Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho ... Beija-mas bem! ... Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mãos
Os beijos que sonhei pra minha boca! ...
Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!
Eu queria ser o Sol, a luz imensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a árvore tosca e densa
Que ri do mundo vão e até a morte! Mas o Mar também chora de tristeza ...
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente! E o Sol altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras ... essas ... pisa-as toda a gente!
Tenho a pior velhice, a que é mais triste, Aquela onde nem sequer existe
Lembrança de ter sido nova ... outrora ...
Eu não gosto do sol, eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o segredo
De não amar ninguém, de ser assim!
Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim! ...
A minha Dor não cabe Nos cem milhões de versos que eu fizera! ...