spoiler visualizarMaria 25/03/2023
Eu sabia que esse livro era diferenciado enquanto lia, mas acho que só absorvi todas as informações nesse tempo depois de lê-lo. "O amante" é nomeado assim no sentido de alguém que ama, mas é uma história intragável por muitos aspectos e o que ainda potencializa tudo é como as coisas são narradas. A forma como a autora escreve é muito sensível e intensa, chegando a ser bonito de ler, apesar de ser sobre coisas tristes. A protagonista passa por diversos amadurecimentos ao longo do livro e muitas descobertas, ainda assim tendo consciência o tempo todo do quanto tudo está errado.
O que a gente vê na história é uma relação familiar destruída pela miséria: a mãe viúva que sofre um golpe financeiro e que tem que fechar os olhos ao ver a filha se prostituindo; essa filha que se relaciona com chinês mais velho por dinheiro (o que posteriormente, supostamente, muda); um irmão envolvido com o mundo do vício, o outro irmão morto e o que sobra é a mãe em uma situação de degradação mental e a menina que se entende como observadora daquilo tudo, tentando escapar. A única coisa que eles têm em comum é odiar o contexto em que foram colocados.
Sobre a narrativa em si, eu comecei achando confusa e cansativa, mas uma coisa me fez ter interesse em ler até o final. O que acontece é que a autora, Marguerite Duras, nasceu no Vietnã - enquanto o país ainda era colônia francesa e chamado de Indochina -, em uma família pobre e, assim como a mãe do livro, a mãe dela também foi enganada quando venderam a ela um arrozal inútil, que inundava. Além disso, a história do chinês de 30 anos também é verdade; sem contar todo o contexto geográfico, já que o livro se passa em Saigon. Então, quando eu soube que a maioria das coisas (quando não os fatos, os sentimentos colocados) eram autobiográficas, li tudo com outro olhar.
?Nas histórias de meus livros que remetem à minha infância, de repente não sei mais o que evitei dizer, o que disse, acho que falei do amor que sentíamos por nossa mãe, mas não sei se falei do ódio que também sentíamos por ela e do amor que sentíamos uns pelos outros, e do ódio também, terrível, nessa história comum de ruína e morte que era a dessa família em qualquer caso, de amor ou de ódio, e que ainda não consigo entender plenamente, ainda me é inacessível, oculto no mais fundo de minha carne, cega como um recém-nascido no primeiro dia de vida. Ela é o ponto onde começa o silêncio. O que acontece é justamente o silêncio, essa lenta labuta durante toda a minha vida. Ainda estou lá, diante daquelas crianças possessas, à mesma distância do mistério. Nunca escrevi, e pensei que escrevia, nunca amei, e pensei que amava, nunca fiz nada a não ser esperar diante da porta fechada.?