Leila de Carvalho e Gonçalves 17/07/2018
Pris Goncourt
Vencedor do Pris Goncour
A francesa Marguerite Duras (1914-1996) foi uma das vozes femininas mais influentes da Europa durante o século XX. Versátil, ela não só se dedicou a literatura, explorando os diferentes gêneros, como até mesmo flertou com o cinema, trabalhando como diretora e roteirista.
Conforme Leyla Perrone-Moises, boa parte da obra durasiana é a transposição das experiências existenciais da autora. Indubitavelmente, uma proposta desafiadora, em especial, se somada sua estética moderna e experimental, recendendo lirismo. Portanto, de certa forma surpreende o sucesso comercial de "O Amante", lançado em 1984, quando a autora já contava com 70 anos. Vencedor do Prix Goncourt, apesar de ser considerado seu romance mais inteligível, sua estrutura continua intrincada, ao exibir a "presentificação" de um passado fragmentado pelas lembranças.
Por outro lado, o interesse acerca da narrativa pode ser explicado pelas questões morais que ela abarca. Polêmicas, remetem a três anos da adolescência da protagonista em Saigon, desde a iniciação sexual com um chinês rico e mais velho que se torna seu amante até sua expatriação para a França, quando o caso já estava encerrado.
A jovem, bastante experiente para a idade, é apresentada como estudante de um liceu que mantém um relação ambígua com sua família miserável, formada pela mãe, uma viúva falida que ?reprova a conduta da filha, mas vê nela uma possibilidade de ganhar dinheiro?; o irmão mais velho, drogado e violento, além do mais novo, fraco e oprimido. Aliás, a mãe de Duras ? por semelhança ou oposição ? influenciou a maioria de suas personagens femininas e de acordo com a crítica, O Amante não deixa de ser uma declaração de amor a essa mulher.
Entretanto, o romance é sobretudo a história da paixão por um homem. Ele começa e acaba dando voz a protagonista já idosa e alcoólatra abordando seus sentimentos quanto ao que viveu, isto é, um amor neglicenciado enquanto durou, estigmatizado pela sensualidade, ganância e perversidade.
Para finalizar, é frequente comparar O Amante a um álbum. É como se cada fragmento reportasse a uma imagem na qual a protagonista comenta a respeito. Isto não acontece por acaso, já que o romance surgiu de um pedido do filho de Duras para que ela fornecesse legendas para antigas fotografias. O resultado deslumbra, a escritora é uma expertise em descrições distorcidas pela memória enretocadas pela pátina do tempo que ressignificam o passado. Eis um bom exemplo:
?Muito cedo foi tarde demais em minha vida. Aos dezoito anos, já era tarde demais. Entre os dezoito e os vinte e cinco anos, meu rosto tomou um rumo imprevisto. Aos dezoito, envelheci. Não sei se isso acontece com todo mundo, nunca perguntei. Acho que me falaram dessa arremetida do tempo que às vezes nos atinge quando atravessamos as idades mais jovens, as mais celebradas da vida. Esse envelhecimento foi brutal. Eu o vi ganhar meus traços, um a um, mudar a relação que existia entre eles, aumentar os olhos, entristecer o olhar, marcar mais a boca, imprimir profundas gretas na testa. Em vez de me assustar, acompanhei a evolução desse envelhecimento do meu rosto com o interesse que teria, por exemplo, pelo desenrolar de uma leitura. Sabia também que não me enganava, um dia ele diminuiria o ritmo e retomaria seu curso normal. As pessoas que me haviam conhecido, aos dezessete anos, quando estive na França, ficaram impressionadas ao me rever dois anos depois, aos dezenove. Eu conservei aquele rosto. Foi o meu rosto. Claro, ele continuou a envelhecer, mas relativamente menos do que deveria. Tenho um rosto lacerado por rugas secas e profundas, a pele sulcada. Ele não decaiu como certos rostos de traços finos; manteve os mesmos contornos, mas sua matéria se destruiu. Tenho um rosto destruído.? (Posição 28 e 36) ?
Nota: Adquiri o e-book que recomendo.