Nika 17/01/2011Para mergulhar no marFoi presente do último Natal. Abri o pacote com certa surpresa, pois não era um dos meus títulos conhecidos de Salman Rushdie e, confesso, nunca tinha lido nada inteiro do autor, apenas folheado um ou outro capítulo nas livrarias. Coloquei na fila de livros que tenho para ler, mas, por costume, resolvi ler o primeiro capítulo. Não mais consegui parar.
Haroum e o Mar de Histórias é de uma beleza e encantamento ímpares. Sua roupagem de fábula de forma alguma o torna infantil, mas lhe dá aquele sabor de eternidade, de clássico. Rushdie leva o leitor a viajar por este universo novo, criado com maestria e iluminação. Mas, esta viagem não se dá apenas sobrevoando Kahani (a lua do mar de Histórias) à bordo do Gavião-avião que lê pensamentos e fala sem abrir o bico, se dá também no convite a mergulhar neste mar de histórias sem fim que o autor abre de par em par, mesmo que o livro, destas histórias todas, conte apenas uma.
À beleza do texto - cheio de lirismo e poesia, onde cada frase pode render horas de pensamentos - unem-se as inúmeras e encantadoras metáforas da história. Haroun vive feliz em uma cidade triste. Uma cidade cujas fábricas produzem tristeza e sua fumaça escura e fétida cobre à tudo e todos. Uma cidade que, de tão triste, esqueceu o próprio nome. Haroum é feliz por ter um pai que vive de contar histórias e uma mãe que canta. Mas, a tristeza feia chega a casa de Haroum, sua mãe para de cantar, depois, vai embora, e seu pai perde o dom da palavra. A mãe de Haroum parte por não aguentar mais seu marido viver imerso em histórias que sequer são verdadeiras. Ora, o que ser com histórias que em ao menos são verdadeiras.
Haroum não consegue mesmo culpar a mãe. No fundo, ele também não acredita nas histórias do pai. Até gosta delas, não chega a considerá-las perda de tempo, mas não lhes dá grande importância. Ao menos, até o pai perder o dom e com isso o ganha pão de ambos. Afundado nessa depressiva realidade, Haroum acaba por descobrir que as histórias de seu pai tinham uma raíz mais fantástica que qualquer história. E ele parte numa incrível aventura para trazer de volta o dom perdido pelo pai.
O livro comove do início ao fim e não chega a responder a pergunta que tantas vezes faz: de que servem histórias que nem ao menos são verdadeiras? Como autor maior que Rushdie é, ele deixa a resposta para cada leitor. A minha é: estas histórias nos servem porque elas compõem o tecido da alegria de viver.