petite-luana 02/03/2015V. S. Naipul por mais de uma década foi cogitado a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, porém foi somente em 2001 que o autor foi agraciado; foi devido a premiação que surgiu o meu interesse em ler um livro seu, acabei escolhendo o livro "Os mímicos" por puro acaso por o ter encontrado em um sebo. "Os mímicos" foi publicado em 1967, conta a estória de Ralph Singh por suas próprias palavras, o narrador nos apresenta o seu livro de memórias, e por diversas vezes fala diretamente com o leitor sobre uma classe média colonizada da qual foi fruto. Ralph Singh é ex-ministro de uma ilha fictícia do Caribe, chamada Isabella, após seu insucesso na política local, ele é exilado em um subúrbio de Londres, de onde inicia a narrativa.
O livro se estrutura em 3 partes: na primeira, conhecemos Singh em sua estadia em Londres, seu casamento e como se tornou um político, somos apresentados à sua visão crua de mundo e a forma com que ele enxerga a si mesmo e as pessoas a sua volta, para Singh, estão todos encenando papéis, são personagens de gestos exagerados em sua própria vida, como mímicos. Na segunda parte, Singh adentra de fato em suas memórias, traz a sua trajetória durante a infância e juventude, contando desde os fatos mínimos que formaram sua identidade, seus conflitos familiares, até o seu olhar para o desenvolvimento político, social e econômico da ilha de Isabella, sua realidade social entre os diferentes povos que habitam o local e a dependência colonial com a metrópole Londres. Na terceira parte do livro, Sigh narra sua carreira política e o que culminou para a sua fuga para Londres.
Singh é uma personagem que durante toda a sua infância e adolescência tenta apagar a sua estória familiar, se desvincular de sua família e sair de Isabella; agora, já no fim da vida ele busca através da escrita se encontrar em sua trajetória, reelaborar seu passado de modo a sintetizá-lo e fazer as pazes com essas raízes, com isso busca também firmar sua própria identidade. O autor mescla muito da sua experiência de vida e personalidade à da sua personagem, Naipul é descendentes de indianos, nasceu em Trinidad e também é um auto-exilado em Londres. No desenrolar da estória percebemos como Naipul dá sua própria voz a Singh ao nos apresentar a realidade deste mundo colonial e pós-colonial do qual ele e sua personagem fazem parte ao mesmo passo que se afastam. Uma voz de desencanto expressada em um humor ácido em relação às sociedades do Terceiro Mundo. Essa característica, muito mais do que os fatos, é o que que acaba ligando a personagem ao autor, nos mostra como Singh é um alter-ego de Naipul. Singh se mostra um estrangeiro em toda parte, deslocado e desenraizado, perdido de si mesmo representado um papel como mímicos no teatro que é para ele a vida.
O livro aborda não somente sobre a identidade construída a partir da identidade cultural de um povo, mas sobre a corrupção humana (de pessoas que se tornam personagens) discutindo questões político-sociais ao revelar um sistema (familiar, escolar e de governo) corrompido. O livro é carregado de um olhar muito pessoal ao preconceito racial e social, por vezes este olhar por si só soa um tanto preconceituoso. Naipaul costumeiramente é acusado de crueldade em sua escrita, a qual ele responde: "Há todo um entulho missionário difundido por pessoas que mentem, que não chamam um parasita de parasita, um bárbaro de bárbaro, que dizem 'pobre canibal, ainda não comeu carne fresca hoje'."
Eu gostei da leitura, apesar de a ter achado deveras maçante (devido ao tema político) por diversas vezes, acredito que se envolver (e se sensibilizar) com a proposta do autor é o que torna a leitura mais interessante.