Pandora 08/07/2020
Comecei a ler Machado de Assis na 7° série, 8° ano, gosto muito dele. Já senti estranhamento diante do ressentimento que muitas pessoas leitoras tem em relação a ele, hoje compreendo melhor essa situação.
Foi fácil para mim gostar do Bruxo pois não pesava entre mim e ele cobranças: não li obrigada, ignorava solenemente as fichas de leitura (sempre achei aquelas perguntas bestas), não fiz prova ou seminário. Lia, comentava com Aline e outras amigas, as vezes elas liam também, era isso. Era feliz, e sabia.
Em adulta essa relação não mudou nada e, em um fim de manhã de 2015, depois de perder as estribeiras com o 7° A, passei no sebo e compre a R$5,00 esse charmoso de "Contos Fluminenses", primeiro livro publicado pelo Machado de Assis.
Aqui, como quase sempre, Machado foi sarcástico, ácido, irônico e muito cirúrgico na realidade que descreve. Toda sua obra é centrada na descrição do estilo de vida, cultura política e percepção de mundo da branquitude da Corte do Império do Brasil.
Na obra macahadiana a branquitude emerge como um grupo de pessoas confortavelmente acentadas em seus privilégios, mesquinhas, egoístas, vaidosas, preguiçosas, ridículas, sádicas, dissolutas, de moralidade atroz, sem nenhum senso de responsabilidade social, sem nenhuma capacidade de perceber a humanidade das pessoas além da branquitude, algumas vezes nem mesmo além de si. Uns homens velhacos, umas mulheres oprimidas a vaidosas e mesquinhas.
Para a branquitude oitocentista, pessoas negras, indígenas, pobres eram um muito menos que humanas, não possuiam relevância. Uma criança negra ou indígena ou pobre poderia caí do 9° andar, ser alvejada de tiro voltando da escola ou ser fuzilada dentro de casa, a tragédia dos mocambos não afeta o sobrado em nada. Já a perda de um cachorro de raça é caso sério.
Terminei a leitura absurdada com a coesão da obra macahadiana. Já em sua primeira obra ele apresentou os vários temas que posteriormente foi conscienciosamente destrinchando ao longo da vida. Machado não fala da alma humana, ele fala da alma de uma parte específica da humanidade que, para meu desespero, não mudou muito nos últimos cem anos.