Cassandra

Cassandra Christa Wolf




Resenhas - Cassandra


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Cris Lasaitis 14/12/2012

Livro BÁRBARO!
Fui fuçar uma livraria aqui perto de casa (um dos meus passatempos preferidos), quando, desinteressada e quase acidentalmente, desencavei este livro de uma prateleira. Achei a capa simpática. Levava o nome de uma personagem dos meus contos, um nome cuja origem eu me cobrava conhecer. Levei sem titubear, mas também sem grandes expectativas. Eu mal sabia

O livro é dividido em duas partes.

A primeira é um monólogo íntimo de Cassandra. Princesa de Tróia, filha do rei Príamo e da rainha Hécuba. Sacerdotisa consagrada ao templo de Apolo, cai nas graças do deus, que lhe dá o dom da profecia. Contudo, sem correspondê-lo, é amaldiçoada: ninguém jamais haveria de acreditar em suas palavras. É quando Páris, seu irmão renegado, retorna e inventa uma linda história - o rapto de Helena -, uma farsa que acaba comprando uma danada briga com os gregos; irrompe assim a Guerra de Tróia. O final, todos já conhecem: a destruição da cidade. Parece óbvio, Cassandra avisa, mas ninguém a quer escutar. Mandam prender essa estragaprazeres que só prevê desgraças em um calabouço. A guerra é perdida. Cassandra, feita prisioneira de Clitemnestra, conhece o fim que a aguarda, e nas horas que precedem o seu assassinato repassa as cenas embaralhadas de toda a sua vida.

É uma narrativa maravilhosamente bem escrita. Extraordinária!

Na segunda parte, Christa Wolf fala sobre uma viagem à Grécia e de como a figura de Cassandra se apoderou de seus pensamentos. Ao longo de quatro conferências a autora conta diversas facetas de sua vida pessoal e literária. Christa é alemã e foi durante muitos anos filiada ao partido socialista para ser mais específica: vivendo na Alemanha ocidental durante a Guerra Fria! Enquanto escrevia o livro, na década de 80, o mundo estava sob a ameaça de uma guerra nuclear; ela retratou em nuances esses meses tensos, e, colocando-se como uma Cassandra moderna, previu a tragédia que parecia iminente (felizmente estava errada). Christa também tece uma análise da condição feminina nos mitos e na história grega. Descreve como a religião, inicialmente matriarcal e baseada no culto à deusa-mãe, foi aos poucos sendo masculinizada e hierarquizada, catalisando a transição da figura feminina de respeitável (mãe) a temida (bruxa). Interessante também o contraste entre a condição social da mulher na civilização minóica e a conhecida submissão das mulheres de Atenas. Cassandra é, no final das contas, uma das raras vozes femininas que falam por si próprias na lírica grega. Ainda assim, na voz de terceiros.

Ao cabo de tudo isso, ficou minha indignação pela referência nunca recomendada, por jamais ter ouvido cogitarem o nome de Christa Wolf essa escritora que me deixou totalmente rendida. Um achado acidental bastante feliz.

Se é que o acaso existe.
Ricardo Rocha 19/08/2014minha estante
Não existe. A hora adequada sim. Belo comentário




Ana Aymoré 20/07/2020

O apelo de Cassandra
Filha de Príamo e Hécuba, irmã de Heitor e Páris, Cassandra é uma das personagens centrais dos mitos relacionados à guerra de Tróia, figurando como personagem-chave em algumas das mais importantes obras literárias da Antiguidade clássica que chegaram ao nosso tempo: desde o célebre épico homérico Ilíada, passando pela tragédia Agamemnon, de Ésquilo e chegando à Antiguidade helenística com o poema trágico Alexandra, de Lícofron. O mito nos conta que, compartilhando com o gêmeo Heleno o dom da profecia, Cassandra teria se tornado sacerdotisa no templo de Apolo em sua Tróia natal, mas enquanto o irmão enveredava pelo caminho mais tradicional dos áugures, as profecias de Cassandra não se apoiavam em elementos externos e convencionais (como as vísceras dos animais sacrificados), mas nos sonhos e visões. Então, quando o soberbo Apolo apaixona-se pela jovem troiana e é por ela rejeitado, decide castigá-la e, sem poder retirar dela um dom divino previamente concedido, faz com que suas previsões sejam para sempre e por todos desacreditadas. A partir daí, desenrola-se a tragédia de Cassandra: a sacerdotisa antevê o destino final de sua Ília, invadida e arrasada pelos gregos, a morte atroz de sua família, e também seu próprio e terrível fim, mas ninguém dá crédito às suas palavras.
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Ao retomar a reestrutura do mito no contexto dos anos 1980, repensando-o diante do quadro da Guerra Fria, da polarização capitalismo vs. socialismo dramatizada de forma aguda na Alemanha dividida, da corrida armamentista, a alemã oriental Christa Wolf inverte o ponto de vista da herança clássica, contando a história da guerra de Tróia sob o ponto de vista dos vencidos, e relacionando a vitória dos aqueus à formação de uma estrutura histórica patriarcal, baseada na apropriação, no cálculo e na violência, e na consequente falência de modelos mais antigos, matriarcais e holísticos, de sociedades. A contraposição, no romance, entre a desafortunada Cassandra e o impiedoso Aquiles, representa esse embate entre essas duas formas (num sentido jungiano) arquetípicas.
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Além do romance que reconta a história de Cassandra nessa dupla perspectiva - anti-hegemônica e feminista - essa edição da Estação Liberdade contém as quatro conferências nas quais a autora discorre acerca de sua criação literária, conectando-a de forma mais transparente às suas próprias inquietações. Tornou-se, sem dúvida, um dos livros favoritos da minha vida.
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Hoje, quando estamos novamente em um cenário catastrófico, dominado pelas forças opressivas do patriarcado e do capitalismo, as vozes de Cassandras - das mulheres, dos excluídos, dos trabalhadores, das minorias, de indígenas - precisam, mais do que nunca e urgentemente, fazerem-se audíveis, fazerem-se acreditar. Só haverá um amanhã feliz, digno e pleno quando esse clamor deixar de ressoar no vazio, e possa se tornar o ponto de partida para a construção das utopias na realidade.
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Antonio 10/02/2020

Abordagem moderna de Cassandra
Christa Wolf sabe o que está fazendo ao trazer o mito de Cassandra para o presente. Não a colocando em nossos dias, mas dando à personagem uma abordagem que, se por um lado, não condiz com aquilo que conhecemos do tratamento dado às mulheres na antiguidade clássica - especialmente considerando a Poética de Aristóteles, por outro faz justiça a ela por apresentá-la como uma personagem tridimensional, com ideias fortes e crítica ao que acontece em sua Troia e aos rumos que a guerra está levando.

A autora mostra, em quatro conferências, a pesquisa e as reflexões que a levaram a moldar a personagem como ela é apresentada. Pesquisa essa que a levou a Grécia tanto física quanto intelectualmente, debruçando-se em textos que vão desde as tragédias clássicas gregas até autores seus contemporâneos, como Thomas Mann e Ingeborg Bachmann. Além do helenismo, são interessantes - e importantes para Cassandra (o livro) - as pesquisas de Christa Wolf sobre o feminino e o feminismo e como ela transplanta essas ideias para sua personagem.
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Luiz Pereira Júnior 30/03/2023

Além da literatura de gênero
Primeiro (é óbvio), o argumento do livro de Christa Wolf: Cassandra foi uma sacerdotisa do templo de Apolo, filha dos reis de Troia, que profetiza a tragédia final de sua cidade, mas é completamente ignorada por todos. Quando o deus do Sol apaixonou-se por ela, segundo uma versão, deu-lhe o dom da profecia, mas, ao ver rejeitado seu amor (ou, mais cruamente, a posse carnal), não podendo retirar seu presente, retirou de Cassandra o dom da persuasão. Assim, a sacerdotisa pode profetizar o que bem entender, mas ninguém jamais acreditará em qualquer palavra dela.

Agora, passemos ao livro, que é apresentado em duas partes principais: a principal delas é a narrativa (recriação) do mito, em uma linguagem densa, lírica, enigmática e em um fluxo de consciência que pode desanimar qualquer leitor (a bem da verdade, se estiver com sono ou muito cansado, vá ler outro livro); a segunda parte é formada por algumas, assim chamadas pela autora, conferências (seria melhor dizer narrativas de viagens com digressões de teor vário), mostrando a obsessão da autora pelo mito de Cassandra e de que forma o livro foi construído no decorrer do tempo e de várias viagens.

Sim, tenho consciência de que a linguagem do livro pode desanimar, mas é completamente adequada ao que se propõe. Afinal, uma filha de rei, sacerdotisa, profetisa, visionária, quase onisciente em suas ideias e ações, não poderia se expressar (exprimir) de outra forma que não fosse um fluxo de consciência formado por uma teia avassaladora de meandros. Enfim, um excelente livro, mas não espere entretenimento inócuo.

E, mais uma vez, perdoem-me a sinceridade, mas prefiro ver o livro como um exemplo da grande literatura e não como algo restrito a um termo, por mais empoderador (eta palavrinha chata de tão repetida!) que seja.

“Cassandra”, de Christa Wolf, não é meramente um exemplo da alta literatura feminista. “Cassandra”, de Christa Wolf, é um exemplo da mais alta literatura. Ponto.
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Ricardo Rocha 09/12/2010

caso exista um mais tarde
O monólogo interior de Christa Wolf em Cassandra é único porque parte de coisas conhecidas ou que ao menos o texto as supoe assim e pode portanto falar no presente mais presente, retroceder ao passado mais antigo e ao que veio ainda antes, ou ao que virá, num futuro próximo ou muito distante. Ela é toda parte em qualquer época.
Faz com que a dor seja referencia da memória e faz com que a memória permita que nos reconheçamos. A luz se extinguia, se extingue e se extinguirá, porque eles estão vindo.
Christa é a um tempo delicada como só uma mulher poderia ser e forte como poucos homens são. Uma fortaleza em ruínas mas ainda uma fortaleza. Sua leitura é prazer - prazer, não esperança...
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Ricardo Rocha 21/03/2011

o que era preciso viver
Se podemos mudar de cidades mas não de fontes, por outro lado algum momento sempre rompemos o fio tênue que nos liga a essas fontes e fazemos as descobertas que nada mais são que mudança. Descobri Cassandra como a maior parte dos livros que leio, numa biblioteca e talvez nenhum tenha sido assim esse amor à primeira vista. Clássica no conteúdo e livre na forma, Christa Woolf é a um tempo delicada como só uma mulher poderia ser e forte como poucos homens são. Um entardecer. A luminosidade do entardecer. E ali estamos diante dos leões de pedra decapitados. Um fortaleza em ruínas. “Um inimigo há muito esquecido e os séculos, o sol e a chuva e o vento foram gastando-a”. Sozinha nas trevas ela caminha para a morte. Não. Não sozinha. Estou com ela, que “extrai prazer de tudo o que vê – prazer, não esperança”.

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Ariadne 12/11/2022

Bom livro
Gostei bastante desse livro e da história ser uma fanfic da história da Cassandra com uma perspectiva feminista de histórias gregas e que foi escrito muito tempo antes de Circe, Ariadne e outras que estão fazendo sucesso nos últimos cinco anos.

Recomendo a leitura.
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