Ana Sá 10/11/2021
Prosa surrealista brasileira
O resumo bem resumido desta obra é: o narrador-protagonista acredita estar confinado num hotel de luxo, enquanto que nós, leitoras, vamos cada vez mais tendo a certeza de que ele está internado numa clínica psiquiátrica. Tudo isso recheado de surrealismo... Atrativo, né? Mas um pouco desafiador também!
A melhor resenha que encontrei é a assinada por Gilberto G. Pereira, publicada no Jornal Opção (o título é "A Lua vem da Ásia: as aventuras de um tresloucado lúcido"). Destaco o trecho final:
"Para a literatura, [A lua vem da Ásia] é uma estética fundada na transgressão moral e da linguagem. Para a psiquiatria, é um discurso antimanicomial. Para o leitor, é uma deliciosa prosa erigida na labilidade emocional, uma obra-prima da literatura brasileira."
De fato, há uma estética bastante transgressora e um discurso antimanicomial genialmente construído nas entrelinhas do romance. Contudo, discordo que a prosa venha a ser "deliciosa" para todas as leitoras. O livro leva ao extremo o nonsense, é preciso estar disposta a entrar, se perder, é preciso ler no escuro em muitos momentos. É livro "suadeira", com instantes valiosos de ironia e filosofia. Há passagens de uma genialidade tamanha, mas há capítulos inteiros que a gente nem entende a razão de ser (comigo foi assim!). Se isso faz parte da construção narrativa de uma mente perturbada, ou se indica uma limitação ou um deslize do autor, nunca saberemos! Mas que há capítulos estapafúrdios, ahhh isso há, e a leitora que lute!
Foi uma leitura trabalhosa, mas valeu o esforço. A obra foi publicada em 1956 e eu nunca tinha ouvido falar sobre seu autor, Campos de Carvalho, nascido em Uberaba (MG). Fico feliz de ter preenchido essa lacuna na minha bagagem literária de escritores nacionais. Uma prosa surrealista de fôlego!
>>>>>>>>>> ATENÇÃO:
O PRÓXIMO PARÁGRAFO PODE CONTER SPOILER, CASO VOCÊ SEJA MUITO SENSÍVEL E NÃO TOLERE NEM INFORMAÇÕES GENÉRICAS! EU NÃO CONSIDERO SPOILER, MAS... SIGA POR SUA CONTA E RISCO:
Um ponto de que gostei foram os efeitos da mudança de cenário. Quando o protagonista (supostamente) sai da clínica, a gente perde as referências que até então nos ajudavam a distinguir realidade de delírio. Na parte externa, vivendo ao acaso, fica quase impossível inferir o que é verdade e o que é alucinação. Me lembrei um pouco da atmosfera de "Malone morre" (1951), do Beckett. Gostei muito disso!
>>>>>> FIM DO SPOILER QUE NÃO É SPOILER.