Nuvens Vermelhas

Nuvens Vermelhas Roberto Numeriano




Resenhas - Nuvens Vermelhas


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Inácio 22/02/2012

Nuvens vermelhas
(Texto publicado inicialmente no www.caotico.com.br)

Os livros de História do Brasil usados nas escolas reservam poucos parágrafos às revoluções pernambucanas de 1817 e 1824, com um pouco mais de destaque para esta última, a Confederação do Equador, provavelmente graças à dramaticidade do fuzilamento do frei Caneca. Parágrafos que se prestavam mais à decoreba que à compreensão dos fatos.

Pelo menos assim era nos meus tempos de Colégio Salesiano.

Nas mais de 600 páginas de Nuvens vermelhas, o jornalista, cientista político e militante comunista Roberto Numeriano dá vida às duas revoluções e aos seus personagens. Mesmo limitado por recursos literários que chegam a ser repetitivos, o romance faz aquilo que horas e mais horas de decoreba não tornariam possível: resgata a história, o debate de ideias da época e a luta política envolvendo as várias forças sociais que se confrontavam no período da independência do País.

No romance de Numeriano, o frei Caneca é um dos personagens principais, mas ao contar a história das revoluções, o autor não cede à tentação de colocá-lo como centro dos acontecimentos. As forças políticas, com suas contradições internas, são o motor da história.

É fácil perceber que o autor fica à vontade ao narrar os acontecimentos das duas revoluções. Depois de um doutorado em Ciências Políticas e mais de uma década de pesquisas sobre o tema, ele está em seu elemento ao contar os fatos que precederam às revoltas, as ideias que motivaram a rebeldia, os conflitos internos entre os revolucionários e a violenta reação das Coroas portuguesa e brasileira. Esses são os melhores trechos de Nuvens vermelhas
Compreender as relações entre os senhores do açúcar e a coroa portuguesa e, depois da independência, entre esses mesmos latifundiários e a monarquia brasileira é fundamental para identificar o gosto das camadas mais privilegiadas da sociedade brasileira pelo autoritarismo.

Da mesma forma, é fácil perceber como as duas revoluções, assim como a guerra contra os holandeses e a Praeira de 1849, forjaram a identidade pernambucana, esse orgulho que alguns chamam de pernambucanidade, essa mania de acreditar que são o Capibaribe e o Beberibe que formam o oceano Atlântico, essa insistência em torcer por Santa Cruz, Náútico e Sport e não pelos times da corte.

Convincente na história e na política, o romance padece na literatura.
Talvez para não se limitar aos acontecimentos, o escritor resolveu trilhar o caminho do romance histórico, incorporando personagens fictícios como o jovem seminarista e depois frade Antônio Cisneiros, apaixonado pela bela Fátima. A moça seria a filha de Francisco Paes Barreto, governador de Pernambuco, fiel a dom Pedro I e um dos mais poderosos proprietários de terra do Cabo até Alagoas.

Numeriano se perde no amor dos jovens enamorados. Sobram clichês – como a carta enviada por Antônio, interceptada pelo pretendente oficial – até o desenlace no melhor (ou pior) estilo novela das seis. Dispensável.

Na tentativa de reconstruir a linguagem da época – essa é uma suposição minha – ele se repete. Há um sem fim de figuras de linguagem, incontáveis hipérboles, metáforas, hipérbatos. Ao longo do livro, nunca o vento sopra e balança as árvores, sempre há “as sombras das palmeiras açoitadas por culpas inconfessáveis da ventania”.
Os personagens não estão simplesmente de cara fechada, mas com olhos onde “flutuavam as lágrimas de uma angústia densa como o negrume da mata em volta, cujos sons e cheiros pareciam se concentrar no espaço luminescente entre as duas redes”. Tampouco convencem as nuvens vermelhas ou “escarlates”, como ele insiste, que pairam misteriosamente sobre o Recife. Só sobre o Recife.

Arrisco a dizer que, se abrisse mão dos aspectos literários e tivesse se concentrado em contar a histórias das revoluções, ele teria forjado um livro mais compacto, instigante ao ponto de seduzir adolescentes caso fosse parar nas salas de aula como paradidático nas escolas públicas e privadas.

É preciso compreender, porém, as circunstâncias em que o romance foi publicado Para viabilizá-lo, o autor contou com recursos do Funcultura (o fundo estadual de fomento da cultura) que deve ter determinado valores minguados para o revisor e o ilustrador. Estivesse sob contrato de uma grande editora, é possível que um profissional fosse destacado para podar os excessos e ajudar o autor até mesmo a reescrever alguns capítulos.

São as virtudes do livro, contudo, que me fizeram perambular pelas ruas do Recife procurando encontrar os locais por onde teriam passado e vivido gente como Pedro Pedroso, Arruda Câmara, Domingos José Martins, Frei Miguelinho, Padre João Ribeiro. Numa manhã dessas, fui com meu filho reverenciar Frei Caneca visitando aquele esquecido ponto do mapa do Recife onde foi fuzilado o revolucionário que, cedo, compreendeu que não há mudanças sem o povo nas ruas.

É com imenso respeito que, a partir dessa leitura, piso nas pedras do pátio da igreja de Nossa Senhora do Carmo, epicentro intelectual e ideológico das corajosas revoluções ousaram tentar a construção de um Nordeste menos dependente e mais democrático.
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