Acervo do Leitor 01/02/2018
Carrie, a Estranha de Stephen King | Resenha | Acervo do Leitor
Estranho. Todo mundo de perto é estranho, de longe também. Basta não olhar com atenção ou respeito. Quando pensamos em dinheiro, sempre olhamos para cima, por isso achamos sempre que temos pouco. Quando olhamos “moralmente”, sempre olhamos para baixo, por isso nos achamos grandes coisas. Fisicamente então nem se fala. Essa pequena obra é sobre olhares, estranhezas e julgamentos. Sobre padrões, por vezes infernais, impostos. Aquele que atira a pedra sempre espera acertar o alvo, se contenta com o erro, mas nunca espera o retorno da mesma. Mas as vezes por intervenções divinas, ou demoníacas, ela retorna… e quando acontece, ela é sempre certeira e mortal.
”Jesus me olha da parede,
Rosto frio feito pedra,
E se sou por Ele amada
Como ela sempre diz que sou,
Por que me sinto tão só?”
Carrieta White tem 16 anos. Se já não bastasse todos os conflitos “internos” inerentes da idade, ela não têm paz. Crescendo sob a sombra opressora de uma mãe fanática religiosa ela não consegue se ajustar. Seus modos, suas roupas e seu jeito não se encaixam no padrão imposto em um simples subúrbio branco americano. Alvo constante de julgamentos e “bullying” por suas colegas de classe, ela só queria sossego. Mas na terra onde há contenda entre Deus e o Diabo, não há perdão. A imposição de “pecados” não cometidos e a cobrança de se tornar algo indesejável estão mexendo com sua mente, coração e a alma. Dizem que o homem só muda em seu limite, e Carrie está chegando no seu. Algo obscuro, poderoso e mortal clama em suas veias, deseja ser liberado. Ela só precisa de mais um “empurrão”, mas se ela cair, arrastará à todos para o inferno.
“Aos 16 anos, a marca impalpável da dor já está nitidamente estampada em seus olhos.”
Margaret White vive cercada por “demônios”. Culpar o diabo é mais fácil que culpar a si mesmo pelos erros. O diabo você exorcisa, ou tenta, seus erros demandam uma mudança de caráter e atitude, o que é bem mais difícil. Sua filha Carrieta não devia ter nascido. Fruto de uma relação conturbada com seu falecido marido Ralph, Carrie se torna a personificação de tudo que sempre consumiu sua alma e seus pecados. Margaret via sangue em tudo. O sangue do parto que trouxe o pecado ao mundo, o sangue do desejo que consome a todos como a consumiu no passado, assim como o sangue do Cordeiro de Deus que lava e purifica tirando o mesmo da terra. Sua fé deturpada a cegou, o rubro que cobre seus olhos em breve vai cobrar sua vida. Carrie que sempre fora culpada de tudo está cansada de ser “oferecida em holocausto”. Ela está voltando para cobrar tudo aquilo que lhe foi tirado, e uma mãe ou uma cidade inteira, podem não ser o bastante.
“Usava farrapos do que devia ter sido um vestido de festa, e estava toda ensopada de água do hidratante e coberta de sangue(…) Mas estava rindo. Nunca vi um sorriso daqueles. Parecia uma caveira.”
SENTENÇA
Esta pequena obra é o invólucro embrionário de um monstro. Um monstro literário. A primeira obra publicada do mito do terror Stephen King. Mas as pessoas não costumam olhar a mesma como tal. Sua protagonista Carrie sofre de preconceito assim como esse livro. Raros são os leitores que se aproximam deste livro sem compara-lo com suas obras mais consagradas, posteriores e maduras. Sem contar que sua história é amplamente conhecida, seu começo, meio e fim, o que torna “previsível” seu suspense, logo sua graça desvanece. Uma obra esmagada pelo vulto de seus “irmãos” maiores. Mas não se engane, mesmo jovem, um monstro já pode matar, e poucos são tão mortais como o rei King. Todos os elementos de construção dos personagens, suspense, terror e sua escrita contundentemente envolvente já estão presentes. Ao longo da trama, Carrieta vai desenvolvendo seus poderes, assim como King sua escrita. Um livro curto e certeiro para todos aqueles que querem uma introdução a sua obra, afinal, que maneira melhor de se começar do que pelo princípio de tudo?
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