Helder 12/11/2018O primeiro KingCarrie foi o primeiro livro publicado por Stephen King em 1974. Diz a lenda que King detestou seu livro e jogou-o no lixo, mas sua mulher pegou o manuscrito no lixo e o convenceu de que a estória era boa e valia a pena sem publicado. O que vem depois disso é história, pois começava ali a carreira mais bem sucedida da literatura mundial.
Carrie foi tão bem recebida, que logo acabou virando um filme, e hoje, 44 anos após seu lançamento e mais duas adaptações cinematográficas, está entre as estórias mais conhecidas de King. É difícil imaginar alguém que não saiba o que acontece naquele baile, mas mesmo assim o livro conseguiu me surpreender bastante. Quando eu era mais novo, eu achava que Carrie tinha alguma coisa a ver com o demônio. Crescendo, fui lendo resenhas, eu passei a imaginar que a causa de todos os problemas fosse o bullying, mas na verdade o grande terror e grande vilão desta estória é o fanatismo religioso.
Sendo o primeiro livro de Stephen King, é incrível percebermos que logo de inicio ele já disse ao que veio, criando personagens incríveis e amarrando-os em uma narrativa que navega em diferentes tempos, e segue sempre nos preparando para o terrível clímax.
O livro já começa com uma cena de impacto, onde Carrie está tomando banho no vestiário da escola e começa a sangrar no chuveiro. Algo normal para todas as meninas que estão ali, mas algo surreal para ela, pois com 16 anos está tendo sua primeira menstruação. As meninas, em suas maldades de adolescentes, e que já acham Carrie bastante estranha, ao invés de ajuda-la, aproveitam para tirar um sarro da menina, que acredita estar esvaindo-se em sangue. A sessão de bullying só é interrompida com a chegada da professora de educação física ao vestiário, que a principio também se irrita com a apatia de Carrie, mas logo percebe o desconhecimento da menina. Ali já percebemos pequenos eventos estranhos.
Este é só o estopim da estória. Carrie, com a ajuda da professora, entende o que lhe aconteceu e vai tirar satisfações com sua mãe: Como que ela nunca lhe disse que isso iria acontecer??
E é neste momento que conhecemos a grande vilã deste livro.
King, logo em seu primeiro livro, criou Margaret White, uma mulher hedionda em sua ignorância e fanatismo. Carrie que precisava de explicações, ao invés de informações, ganha um tratamento de pervertida, pois de acordo com o fanatismo da sua mãe, a partir de agora ela é uma pecadora. Assim como Eva, que após sangrar, foi expulsa do paraíso, e como castigo gerou dois filhos onde um acabou assassinando o outro. São incríveis as palavras que King consegue colocar na boca desta mulher. Em certos momentos a leitura se torna até difícil, tamanha a raiva e o asco que passamos a sentir pela personagem.
Mas mesmo no meio de toda a sua ira fanática, ela tem medo de Carrie.
Aos 3 anos, e um dos ataques de fanatismo de sua mãe, Carrie percebeu que quando ficava muito nervosa, tinha o poder de movimentar objetos e com o tempo foi melhorando este seu “dom”. A cena das pedras em que isso é descrito pela primeira vez é uma das cenas para se colocar nos anais das melhores cenas de King. A descrição é tão perfeita e detalhada que quase conseguimos ouvir o barulho das pedras caindo. Desde então, a mãe passou a temê-la, mas mesmo assim continuou seguindo seu fanatismo e “guardando” a menina do mundo pecador.
Na visão da mãe, agora Carrie sangra, e atrás do cheiro do sangue, vêm os homens e neles, o pecado, como o que ela cometeu e gerou Carrie.
Em paralelo a isso, temos Sue Snell e Chris Hargensen, duas meninas que estavam no vestiário. A professora de Educação Fisica fica tão possessa com a situação que conta a diretoria da escola o que ocorreu no vestiário, e exige que as meninas sejam punidas. Chris é a patricinha da escola e não aceita a punição. Acaba recebendo o castigo maior: Ficar fora do baile de encerramento do ano. Já Sue aceita a punição e sente remorso pelo que ocorrido, então para se redimir inventa uma ideia maluca: Fazer Carrie feliz por uma noite. Para isso, resolve ceder seu namorado para que ele convide Carrie a ir ao baile.
A ideia de Sue é que Carrie se sinta especial pelo menos uma vez na vida, mas esta ideia só corrobora com o fanatismo de Margaret, pois agora um rapaz convida Carrie para ir ao baile de formatura de escola. Carrie sangrou e agora é uma pecadora.
Já Chris Hargensen não se conforma com o castigo de não poder ir ao baile, e convence seu namorado a ajuda-la a se vingar.
E assim caminhamos para o baile, que eu pensava ser o clímax do livro. Mas até ali fui surpreendido, pois nunca assisti ao filme e nenhuma resenha que eu tivesse lido me preparou para o poder de destruição de Carrie.
Para mim aquele final foi um pouco exagerado e não me tocou muito, mas terminei o livro com um gosto bem amargo, imaginando que a vida de tanta gente poderia ter sido muito diferente se não houvesse tanto fanatismo religioso, que acabou criando aquela avalanche de violência.
Se você, assim como eu, tem preconceitos com estórias de terror ou coisas sobrenaturais, deixe este pensamento de lado e leia este livro, pois ele é muito mais que isso.
O mal ali não é sobrenatural. E a possibilidade real de existirem pessoas assim, com certeza dá muito mais medo.