gleicepcouto 08/09/2011Muito hormônio adolescente pra pouca históriaPaixão é o terceiro livro da série Fallen, de Lauren Kate – escritora norte-americana, cujas obras venderam milhares de exemplares, sempre alcançando o topo da lista dos best-sellers do The New York Times. O estúdio Disney, espertamente, comprou os direitos dos livros para adaptá-los à tela grande e, inclusive, o roteiro do primeiro filme já está finalizado.
A série conta a história de amor entre Luce – uma adolescente de 17 anos que vê sombras misteriosas – e Daniel. A jovem se apaixona, mas não faz ideia de que seu amado é um anjo caído e de que há uma maldição que permeia o amor dos dois: através dos séculos, a relação deles sempre acaba de modo trágico. Em todas as encarnações de Luce ela nunca passou dos 17 anos, pois, sem explicação nenhuma, ela sempre vira cinzas nos braços de Daniel.
E é exatamente o motivo dessa maldição que Paixão promete explicar. O livro começa exatamente onde o anterior, Tormenta, parou. Luce entra em um ‘Anunciador’ (a sombra que ela via e tinha medo, mas aprendeu a lidar com) com o objetivo de visitar suas vidas passadas e entender melhor o que estava por detrás da maldição e também do amor dos dois. Resumindo: Luce estava é de saco cheio de Daniel ficar se esquivando de certas explicações e em dúvida se o amor que sentiam um pelo outro era a causa ou a consequência da maldição.
Justo. Se eu fosse Luce, pensaria da mesma forma.
Com certeza, porém, não agiria da mesma forma… Chata e burra. Porque foi a isso que a mocinha, que antes era bacana, ficou reduzida. Lauren Kate conseguiu destruir a personagem. Assim como conseguiu fazer com que Daniel, de anjo misterioso, passasse a anjo lesado, sempre com o timing errado na história (o esclarecimento pra isso foi tão raso, que era melhor a autora ter escrito ‘Ele chega atrasado nos eventos porque eu quero assim.’).
O livro é uma coleção de escolhas insanas e idiotas de Luce. Suas viagens ao passado se tornaram ocas, pois tudo o que Luce conseguia pensar era em beijar Daniel quando o encontrava em uma vida anterior. Cadê a determinação de saber sobre a verdade de antes? Ficou encoberta por hormônios adolescentes. Por favor, né?
O fato de Luce não ter a mínima ideia do que estava fazendo e para onde ia também me incomodou. Ela viajou tanto às cegas pelo passado, que a impressão que ficou é que foi pura perda de tempo. Perceba: sempre achei importante mostrar alguns fatos anteriores para entendermos realmente a história de Luce e Daniel, mas dai, fazer um livro só disso foi um exagero. É uma afronta à minha inteligência ter que ler os dois protagonistas se apaixonarem em várias vidas, sem absolutamente nada de substancial a acrescentar à história. No máximo, três vidas realmente tinham algo de interessante a dizer. O restante foi tudo mimimimi. Meloso demais, igual demais.
Na verdade, parece que a autora não sabia muito bem o que fazer com a série e, num belo dia, após ter um sonho ‘quente’ com seus dois personagens, pensou: ‘A-rá! Já sei!’ e aí fez um livro que o maior atrativo são os dois se beijando, abraçando, dizendo ‘eu te amo’ e por aí vai.
Nitidamente, até a própria Kate sabe que ela se perdeu na história. Ela faz seus personagens – tanto Luce quanto Daniel – dizerem várias vezes (quase como um mantra) do porque estarem agindo de determinado jeito, que era como se ela tivesse que repetir para si mesma, tentando se convencer de que algo ali tinha nexo. Mas não tinha e continua não tendo. Nunca vai ter.
Até a percepção de Deus é completamente distorcida no final do livro. Parto do princípio de que, se no livro há anjos, a parte religiosa deve ter como base a Bíblia (e até a própria autora diz ter se inspirado em um versículo de Gênesis para conceber a história.) – e aqui não me importa se a Católica, Protestante ou Espírita. Mas o que sei é que, em nenhuma dessas, Deus teria um papo daquele tipo que foi retratado no final do livro. É muito absurdo.
E a maldição? Bem, não espere muita coisa em relação a isso. A explicação até existe, perdida lá no final do livro e dura não mais que uma página. É que Luce estava muito ocupada se preocupando em beijar Daniel, em passar a mão no cabelo loiro dele, em ver seus olhos cinza-violeta, que a maldição em si acabou virando um detalhe na história.
A estratégia deve ter sido: já que vai ter um 4º livro (e último), enche linguiça nesse e explica tudo no último. A questão é: nem sei se vai ter algo coerente pra explicar. Lauren Kate pode inventar qualquer coisa, até que Luce é, na verdade, Eva e Daniel, Adão. Vai saber.
Uma pena ficar com esse gosto amargo na boca. Logo eu que sempre defendi a série e enchi a boca para dizer que era muito melhor que Crepúsculo, de Stephenie Meyer. Sinceramente, não sei mais se vou poder continuar dizendo isso. Ainda tem o último livro, Rapture (com previsão de lançamento para Junho 2012), para confirmar essa condição ou refutá-la; mas até lá Paixão ocupa o posto de maior decepção literária de 2011.
Lauren Kate marcará presença na Bienal do Rio de Janeiro este ano para divulgar Paixão. Ela também visitará São Paulo, Florianópolis e Curitiba.
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