Charleees 28/03/2023
Vermelho Amargo - Bartolomeu Campos de Queirós
"Do abandono construí meu cais sempre do outro lado. Em barco sem âncora e bússola, carrego, agarrado ao meu casco, caramujos suportando sobre si o próprio abrigo, solitariamente".
Esse é daqueles livros que a gente guarda em um cantinho especial da gente. A primeira vez que o li, foi em dezembro de 2015, quase cinco anos depois o revisitei e a emoção dessa comovente história foi quase que a mesma, se não foi.
Vermelho Amargo é uma história de cunho autobiográfico, último livro do autor publicado em vida. São as memórias de uma criança órfã de mãe, irmã de cinco irmãos, é a história da dor da perda e o sentimento de não ser amado pela mulher que o colocou no mundo, escrita tão poética, melancólica que é impossível não sairmos tocados depois de sua leitura.
Mas porque Vermelho Amargo?
Depois que a mãe da criança morreu, uma madrasta tomou o seu lugar, a criança passa então a observar a diferença entre uma mulher e a outra, a forma como a madrasta corta o tomate: "A madrasta retalhava um tomate em fatias, assim finas, capaz de envenenar a todos. Era possível entrever o arroz branco do outro lado do tomate, tamanha a sua transparência... Afiando a faca no cimento frio da pia, ela cortava o tomate vermelho, sanguíneo, maduro, como se degolasse cada um de nós."
Já a mãe: "Antes, minha mãe, com muito afago, fatiava o tomate em cruz... Isso depois de banhá-los em água pura e enxugá-los em pano de prato alvejado, puxando seu brilho para o lado do sol."
Com o passar do tempo, a criança diz que as fatias finas dos tomates cortados pela madrasta vão ficando cada vez mais grossas, isso devido às mudanças que o tempo vai trazendo para a vida daquela família.
A história toda é de uma melancolia bonita, de um desamparo dolorido, de lembranças, e a escrita de Bartolomeu é cirurgica ao passar tanta sensibilidade por meio das memórias do menino órfão.
Vale a pena conhecer e se encantar por essa história. Uma releitura gostosa em um momento que digamos foi muito importante para mim.
E vocês, o que acham das releituras?