Cafeína 06/06/2023
Um turbilhão sobre tragédia e resistência
Um livro complicadíssimo, sem dúvidas, mas, em parte, quem sabe, justamente por isso, um livro muitíssimo especial, para mim, acima de tudo, pelo poder aqui empregado pela escrita, afinal, muitos reduziram a trama disso meramente a simplicidade do declínio de uma família aristocrática do sul dos EUA no início do século, alí por volta dos anos 20, o que por si só já renderia uma história e tanto, ao meu ver, mas o carro chefe aqui mesmo é a maneira como essa história é contada. Começando de uma vez justamente pelo fator que implica a grande dificuldade em lê-lo, a escolha de deixar mais de metade da história nas mãos de um neurodivergente e outro no mínimo perturbado, o que tornou essa parte quase que ininteligível, pela maneira como o tempo flui sem aviso, as vezes mais de uma vez no mesmo parágrafo, sem contar nos fluxos de consciência, dos quais se abusa até a exaustão. O que há por trás dessa leitura maçante, ao menos o que eu encontrei, foi uma das mais expressivas representações das angústias humanas. Afinal, angústia por quê? O Falkner parece interessado em representar de todas as formas a tragédias inerentes às nossas vidas, quer seja pela marcha incessante do tempo, esmagando qualquer tentativa que atribuir significado às coisa, bem como pelo vazio de propósito no qual nos afundamos incansavelmente; isso tudo enquanto somos bombardeados incessantemente pela inevitabilidade das mudanças, de uma sociedade que escraviza a um estrato, de uma família decadente se agarrando a desesperada a uma sombra do que já foi, ou de valores inflexíveis, que o asfixia. É quase como se tudo na história girasse em torno da ideia de declínio, desde a inteligibilidade do texto, por assim dizer, indo do turbilhão do mais caótico turbilhão de sensações e pensamentos a um texto mais limpo partido de uma terceira pessoa, mas onde mais se percebe essa natureza decadente, facilmente, é na história dessa família. Eu não tenho propriedade para ver a relação histórica, mas mais do que um paralelo para qualquer uma das poderosas ex-escravocratas do sul, o declínio e queda dos Compson é uma representação de todo um estilo de vida, de um conjunto de ideias, já moribundos no início do século e que se vai tardiamente.
Depois de toda essa tragédia e sofrimento, o som e a fúria é uma história sobre esperança, mais precisamente sobre encontrar uma esperança no caos. Eu resumiria tudo às últimas palavras do autor; depois do fim da família protagonista, temos um breve relato sobre os seus servos, e então, o autor se vira a eles e declara ?eles resistem?.