Dayvid Simplicio 29/05/2018
Sírio Possenti, natural de Arroio Trinta, Santa Catarina, graduado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (1969), fez mestrado (1977) e doutorado (1986), ambos em Linguística, na Universidade Estadual de Campinas. Atualmente, é professor titular no Departamento de Linguística da Universidade Estadual de Campinas. Atua em diversas áreas da Linguística, com ênfase em Teoria e Análise Linguística, principalmente na sub-área da Análise do Discurso, em especial nos campos do humor e da mídia. Autor de várias obras, tais como: Discurso, estilo e subjetividade (1993); Os humores da língua (1998); Os limites do discurso: questões para analistas do discurso (2002), entre outras.
“Por que (não) ensinar gramática na escola” é uma de suas obras que nos faz refletir sobre a metodologia de ensino de Língua Portuguesa adotada pela grande maioria das nossas escolas, e que está profundamente arraigada nas práticas. É dividida em duas partes; a primeira apresenta dez teses básicas que discorrem sobre o ensino de gramática e língua materna e suas implicaturas no aprendizado. O autor esclarece, para começo de conversa, que é preciso ensinar a língua padrão na escola, mas que ela não deve ser tida como a única, a correta, a ideal, em detrimento das outras variantes.
De forma clara e objetiva, Possenti afirma que todas as línguas são um sistema complexo; afirmação esta que vai desmentir toda ideia de que existem línguas fáceis e/ou difíceis, sofisticadas e/ou rudimentares. Quebra o preconceito construído por uma sociedade que domina uma língua e julga os que a falam diferente, considerando-os falantes errôneos, fazendo a demonstração que todos os falantes, sejam eles usuários de qualquer dialeto, falam o tempo todo, ou seja, já são falantes ativos. Relaciona a tese ao ensino em sala de aula, onde defende que a escola não ensina língua materna e que deveria ensinar aquilo que os alunos não sabem e não o que já dominam. Ele indica que a escola deve empenhar-se no ensino de língua no campo textual, bem como sua produção e suas técnicas eficazes de leitura.
Possenti ainda amplia o conceito de Gramática, ao dizer que seu aprendizado está além de decorar regras ou fazer análises morfossintáticas, e que na verdade, é bem mais profundo que isso o conhecimento inconsciente de que dispõem os falantes, para utilizarem efetivamente a linguagem. Esta ideia nos faz menção (conforme evidencia o próprio autor) da teoria Gerativa da aquisição da linguagem, idealizada por Noam Chomsky.
Dando continuidade, o autor defende o fato de que todas as línguas variam, já que em todos os países e comunidades linguísticas, existe variação. Ele aponta para fatores externos à língua (geográficos, de classe, de idade) e internos, onde a variação é guiada por estruturas interiores à língua. Defende a variedade linguística nos diversos contextos sociais abominando a ideia de que a língua é uniforme.
O autor rememora o fato da mutabilidade das línguas, para solidificar o seu argumento de que é tolice estatizar o ensino de língua portuguesa, reduzindo-o, por tanto tempo, exclusivamente ao aprendizado de regras, como se a gramática constituísse a própria língua. Em outras palavras, diz que a gramática prescreve normas de construção linguística que há algum tempo já estão obsoletas. E finalmente, após discorrer claramente sobre a diferença entre língua e gramática da língua, afirma: “O domínio efetivo e ativo de uma língua dispensa o domínio de uma metalinguagem técnica.”
A segunda parte da obra traz uma aplicação prática de uma nova metodologia idealizada por Possenti, baseada na ideia principal, defendida na primeira parte, de que não é necessário ensinar a gramática na escola, quando o objetivo é fazer com que o aluno tenha habilidades com a linguagem padrão. O autor define os conceitos de três tipos de Gramática: a normativa, a descritiva e a internalizada, e baseados em cada um deles, descreve os conceitos de regra, erro e língua.
Possenti enfatiza a importância de, no ensino, possibilitar ao aluno que ele domine satisfatoriamente a linguagem, em suas diversas manifestações, de modo que possa utilizar-se dela adequadamente em cada contexto de fala, de interação. Afinal, “aprender uma língua é aprender a dizer a mesma coisa de muitas formas.” Uma vez conhecendo a língua como ela realmente é, ou seja, como ela acontece em seu uso real, o aluno poderá apreender com mais facilidade as normas que regem o seu funcionamento. Atribui ainda a dificuldade de aprendizado da gramática por parte dos alunos à falta de domínio da língua, que deveria vir em primeiro lugar, mas que, por causa da carência de práticas eficazes e intensas de leitura, escrita e interação, não acontece na realidade.
As ideias apresentadas nesta obra são um tanto polêmicas no meio linguístico, diante da postura do autor e das divergências que este tema provoca. Reconhecemos a importância de serem revistos os métodos de ensino da gramática tradicional, para um melhor e mais eficaz conhecimento da língua. Mas precisamos ter cautela no momento de pôr em prática novos métodos. Há muito tempo que a tradição de ensino constitui a formação intelectual dos brasileiros, por isso as mudanças que pensarmos devem ser aplicadas gradativamente, do contrário, decisões drásticas podem desestruturar o sistema interno de organização do ensino e causar outros problemas, principalmente no aprendizado dos alunos, que já se habituaram a um ritmo. O próprio Possenti reconhece a dificuldade que existe em aplicar suas ideias, diante da falta de materiais didáticos que orientem a metodologia, e ao mesmo tempo, dispensa essa necessidade do primeiro plano, considerando que o principal material de trabalho para essa aplicação será a produção textual do aluno.
A evidência é que o ensino de língua não tem tido sucesso ultimamente entre os usuários. Existe, e é claramente perceptível, por parte de alguns alunos, uma repulsa às aulas e ao aprendizado da língua, porque, apesar de estabelecerem contato com algo que lhes é parte integrante, característica fundamental da constituição do ser, não se sentem familiarizados com o método de ensino, que lhes distancia da maneira como utilizam e consideram a linguagem.
Julgamos que a obra é por demais importante para orientar a prática de todos os professores de língua portuguesa de todos os níveis de ensino, bem como para a formação de profissionais e cientistas da Linguística e para estudantes do curso de Letras.