A arte no horizonte do provável

A arte no horizonte do provável Haroldo de Campos




Resenhas - A Arte no Horizonte do Provável


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Erick 12/12/2012

A Filosofia existe porque as línguas são absurdas
Nesta crítica, Haroldo vislumbra uma ruptura da produção simbólica em função de novas e renovadoras formas de dispor sem sobrepor formas de expressão. Ele nos apresenta elementos artísticos postos de lado pela crítica dominante. Haroldo volta sua reflexão às diversas criações de vanguarda, todas em função da originalidade do autor como produtor de si-mesmo. Tanto que os tópicos tratados por ele são divididos em poéticas: a poética do aleatório, a poética do precário, a poética da brevidade, a poética da tradução e a poética de vanguarda.

Na poética do aleatório, Haroldo chama atenção para a provisoriedade do estético, argumentando que os elementos artísticos se incorporam e se transformam conforme a civilização, num processo dialético de criação e destruição das formas de ser e pensar. Ainda nesse aspecto da instantaneidade da obra, coloca o acaso como um ente participativo no processo de invenção. Para isso cita Mallarmé que afirmava que " a impossibilidade da abolição do acaso insinuava dialeticamnete, sob a chancela do talvez, a viabilidade da própria possibilidade negada, através da obra-constelação, o evento e momento humano". Outro ponto tratado pelo autor, ainda na poética do aleatório, é a técnica permutatória, em que o autor incorpora em sua obra a ideia transformadora da interpretação do receptor: "O espectador influi sobre a formação, isto é, sobre a transformação do quadro e, assim, se converte em seu co-autor".

A poética do precário se fundamenta em Kurt Schwitters, vanguardista MERZ que reuniu em suas obras o considerado descartável pela sociedade: " Eu não compreendia porque não se podia utilizar em um quadro, com o mesmo direito que se usam cores fabricadas pelos comerciantes, materiais como velas, bilhetes de metro, pedaços de madeira, raios de bicicleta etc." Sua linguagem poética, que flertava com os dadaístas, articulava todas as possibiliades da construção com a falta de senso racional, a primeira vista. Seu principal poema, Anaflor, "desloca a ordem natural das coisas da expressão":
" ó amada dos meus vinte-e-sete sentidos,eu
te amo! - Tu, te, ti, contigo, eu te, tu me.
- Nós?"
Outro autor enquadrado por Haroldo na poética do precário é James Joyce, com sua linguagem pinçada de fragmentos do popularesmo, com orações "alógicas e acausais". Ele utiliza os restilhos da linguagem para desenvolver uma " imensa épica da condição humana, desde seu aspecto cotidiano até sua transcendência mítica".

A poética da brevidade está voltada quase que em sua totalidade para a poesia oriental, basicamente a japonesa e chinesa. O haicai obtém destaque como a expressão simultanea unindo corpo e alma, que prioriza a concisão tendo em vista a transitoriedade da existência. Em oposição a crítica ocidental que enxerga a criação oriental como sem sentido, o autor se utiliza de Fernado Pessoa, que diz " que o vento só fala do vento". A verdadeira ponte entre a poesia oriental e a cultura ocidental é Ezra Pound, tradutor de inúmeros poemas das línguas orientais para idiomas europeus.

Na poética da tradução, Haroldo trata de um tema importantíssimo da literatura: a tradução. Parte do ponto de vista de que o tradutor de poesia, em última instância, também é um poeta, pois transporá uma realidade linguística significante para outro contexto socio-cultural. Para que essa transposição seja efetivamente concretizada, deve-se não apenas preocupar-se com o conteúdo, mas, segundo Haroldo, deve-se voltar prioritariamente para a forma, ou seja, voltar-se para a "compulsão poética da linguagem". Walter Benjamin também argumenta a respeito: (aqui, Benjamin refere-se as traduções alemãs dos clássicos gregos) " Nossas versões, mesmo as melhores, partem de um princípio falso. Pretendem germanizar o sânscrito, o grego, o inglês, em lugar de sanscritar o alemão, grecizá-lo, anglalizá-lo. Têm muito maior respeito pelos usos de sua própria língua do que pelo espírito da obra estrangeira". Outro aspecto da poética da tradução refere-se as traduções de Ezra Pound dos ideogramas orientais para línguas ocidentais, regidas pelo discurso lógico aristotéloco, totalmente dissonante da poética oriental, mais voltada para o devir. Um poema traduzido por Pound diz:
"amado amigo,
o tempo passado,
amigo, amigo,
o tempo perdido"
onde Pound se utiliza não de uma tradução, mas uma re-imaginação do poema ideogramado em língua estrangeira, mas ressignificado numa linguagem inteligível.

A poética da vanguarda parte de uma dicotomia epistemológica: permeado pelo problema da comunicação em geral, quando se discute se a semiologia, a ciência dos signos, é uma parte da linguistica, ou esta está englobada naquela. Para Roland Barthes, a semiologia faz parte da linguística, já que " todo o sistema semiológico se impregna de linguagem verbal: o cinema se vale da palavra; os comics, a publicidade, as fotografias de imprensa, de legendas; tudo passa pelo crivo da linguagem verbal, que estabele nomenclaturas ( significantes) e usos (significados)". Já outro teórico, R. Jakobson, pensa que "a língua é apenas um dos sistemas de signos e a linguística tão somente uma das províncias da semiótica".
" A linguagem é um sistema de signos. O signo, então, é a unidade linguística. Para Saussure, cujas concepções pioneiras ainda estão impregnadas de psicologismo, o signo linguístico é uma entidade psíquica de duas faces, unindo não uma coisa e um nome, mas um conceito e uma imagem acústica: o significante é a imagem sensorial, psíquica ( não uma pura materialidade física do som), e o significado é a imagem mental da coisa".
Por esse parágrafo do livro, percebe-se que Haroldo converge com Jakobsom. Após toda essa exposição metalínguistica, Haroldo lança mão de sua teoria concretista, quando " a obra de arte, como fato espiritual, deve ter uma manifestação material e extensional para ser percebida como tal". A fundamentação de seu concretismo está no signo em-si, em detrimento dos significados, dito outra maneira, está mais preocupado, não abandonanddo completamente o conteúdo, mas unificando signo(forma) e significado(conteúdo).
A partir desse sistema concreto, lança as bases de uma poesia de vangurda, onde, nas palavras de Mallarmé, " a poesia se faz com palavras, não com ideias".

Dois importantes movimentos de vanguarda abordados por Haroldo nessa obra são o italiano e o alemão, ambos de meados das décadas de 40, 50 e 60. Sempre dialogando com os concretistas brasileiros, a poesia de vanguarda alemã teve como seus principais nomes Eugen Gomringer e Arno Holz.

Gomringer " praticava uma poesia extrememente reduzida, de construção vigorosa e ortogonal, tematicamente circunscrita a anotações da natureza ou paisagens urbanas, ou, então, a motivos abstratos de dinâmica estrutural". Seu poema " constelação" abaixo:

palavras são sombras
sombras tornam-se palavras

palavras são jogos
jogos tornam-se palavras

sombras são palavras
palavras tornam-se jogos

jogos são palavras
palavras tornam-se sombras

palavras são sombras
jogos tornam-se palavras

palavras são jogos
sombras tornam-se palavras.

Arno Holz, outro incompreendido pela literatura convencional, possui como traço característico a readequação da linguagem, a exemplo de Joyce, visando uma "obra que cria a si mesma".
Toda sua estética é baseada numa estatística semiótica, com relevância ao aspecto visual. Tendo em vita o poema coluna-vertebral. A seguir, um trecho de um poema de Holz:

Mar
mar, o mais solar,
mirar o mar
mar!

Sobre águas rolantes, eis
bramantes, júbilogritantes, alacreberantes, lubrigagargalhante,
estuantes,
grunheespojando-se, voltevolteando-se
retrolançando.

Da vanguarda italiana, dois nomes emergem como poetas-teóricos: Leopardi e Ungaretti. O primeiro revive a temática do romantismo, incorporando novos elementos que revigoram o conteúdo clássico.
" As regras nascem quando falta quem pense(...)O mal de nossa época é que a poesia esteja reduzida a arte, de modo que, para ser verdadeiramente original, é preciso romper, violar, desprezar, deixar de parte inteiramente os costumes recebidos de todos".
Para Leopardi, a poesia surge com um impulso criativo, onde a razão perde a primazia, permanecendo a imaginação do poeta responsável pela transitoriedade dos conceitos: " o poeta imagina, a imaginação vê o mundo como ele não é...finge, inventa...criador, inventor, não imitador; eis o caráter essencial do poeta".

Giuseppe Ungaretti utiliza a estética do fragmento como um de seus principais instrumentos de composição, além de um fluxo de consciência que o aproxima tanto da poesia oriental, pela concisão da linguagem e da desestruturação semântica, quanto das vanguardas dadá.
" A sístese despojada, a sutilíssima técnica de cortes e a dialética das pausas, a brevidade programática, a pontuação apenas mentalizada para as mensagens que se destacam na página como pétalas é uma personalíssima utilização da perceptística marinettiana". Abaixo o poema " e o deserto soando como bronze":

nada resta
de imóvel
senão renques de luzes
no fundo do abismo
e assobios
que retornam

sem moradia
sem família
sem amores
sem amigos
sem lembranças
sem esperanças.
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