Ricardo Silas 15/11/2014
Lições filosóficas para livres pensadores
A trajetória racionalista de Bertrand Russell é formada, em parte, por uma intransigente defesa do humanismo secular, da ciência e do ceticismo. Todos que o conhecem sabem que a influência do seu trabalho perdurará por várias gerações. No século XX, ele presenciou as piores crises que a humanidade sofreu na era moderna: contemplou os restos mortais e os escombros das duas Grandes Guerras Mundiais e enfrentou o temperamento obscuro de religiosos e políticos fanáticos. A nossa história contém abundantes registros de que, enquanto milhões de pessoas empreendiam a violência e o dogmatismo, poucos faziam oposição a esses impulsos da estupidez humana. Enquanto as propagandas de governos incentivavam o ufanismo doentio, Russell estava lá para combatê-las, sem nunca deixar de propor soluções racionais para os problemas de sua época. Foram raros os filósofos que desafiaram, com ousadia, as mais variadas formas de autoritarismo, tendo que enfrentar prisões, censuras e até mesmo ameaças de morte.
Por volta de 1920, Russell escreveu 17 ensaios filosóficos que serviram de matéria-prima para forjar uma de suas obras mais grandiosas e cristalinas: Ensaios Céticos. O livro reúne pensamentos sobre política, educação, filosofia, religião e ciência, e é possível notar que, graças a esse trabalho, a Filosofia obteve maior credibilidade em várias regiões do Ocidente. Que os líderes das grandes potências mundiais, por várias vezes, já estiveram dispostos esmagar nações inteiras, disso ninguém duvida. Basta recordar o que ocorreu em agosto de 1945, quando as bombas nucleares docilmente apelidadas de “Little Boy” e “Fat man” foram lançadas pelos EUA nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagazaki; ou quando a Crise dos Mísseis em Cuba quase culminou em uma guerra nuclear entre os soviéticos e os norte-americanos. Mas muito antes que a Guerra Fria congelasse os corações humanos, a atitude filosófica advogada por Russell tentava nos conduzir a um desfecho diferente da extinção da nossa infantil espécie. Ao refletir sobre o mundo civilizado, Russell planejava abolir os obstáculos que impediam as pessoas de serem céticas, racionais e, sobretudo, amáveis.
O ceticismo que Russell sugeriu em seu livro é compreendido em três partes inseparáveis:a) “quando os especialistas estão de acordo, a opinião contrária não pode ser tida como certa” (a menos que possua evidências que a suportem); b) “quando não estão de acordo, nenhuma opinião contrária pode ser considerada correta por um não especialista” (Richard Dawkins entendeu esse item quando disse que, caso a Evolução se prove como errada, a refutação terá vindo de um cientista, não de um idiota); c) “quando todos afirmam que não existem bases suficientes para a existência de uma opinião positiva, o homem comum faria melhor se suspendesse seu julgamento”. Porém, “suspender o julgamento” não é igual a “suspender a investigação”, que deve continuar enquanto estivermos vivos.
A humanidade vive um momento no qual os recursos naturais e tecnológicos estão disponíveis para promover o nosso bem-estar. No entanto, faltam-nos os recursos morais que nos tornem capazes de fazer bom uso da natureza e da tecnologia. Uma mente cética está ciente de que o método científico, embora tenha suas imperfeições, é o ponto de partida mais prolífico que existe. É o que nos faz buscar fundamentos racionais para as opiniões que desenvolvemos, não de forma apaixonada, como dizia Russell, mas com lucidez e comprometimento com a verdade. Russell reconhece que, no campo das ideias, “a paixão é a medida da falta de convicção racional de seu defensor”, e percebeu, diante disso, que “opiniões sobre política e religião são quase sempre defendidas de forma apaixonada”. A falácia wishfull thinking pode resumir esse estado emocional em que o indivíduo acredita no que lhe soa agradável, não no que é verdadeiro. O desejo de acreditar em algo sem evidências simboliza a conspiração de crenças ilusórias contra a racionalidade. E quanto mais agradável uma crença ou opinião aparenta ser, mais cuidado devemos tomar para não cairmos em superstições ou em ideologias cegas.
Os ensaios deste livro deixam o alerta contra os perigos de uma educação dogmática e patriótica, que envenena a razão e sabota o pensamento crítico. Se as crianças continuarem a ser ensinadas a idolatrar autoridades mundanas ou sobrenaturais, ou a confiar cegamente no propósito que os poderosos lhes impuseram, o nosso futuro será formado por indivíduos sem imaginação, sem conhecimento e, o que é ainda pior, sem amor. Mais do que uma força racionalista e humanista, Russell é uma fonte inesgotável de inteligência para as pessoas que buscam um mundo justo e benevolente. E são essas as mensagens que precisamos levar adiante.
http://www.universoracionalista.org/os-ensaios-ceticos-de-bertrand-russell/