Bea 21/01/2024
Fatalidade
Ler Victor Hugo é arriscar um acordo com a fatalidade. E, para mim, Nossa Senhora de Paris (ou Corcunda de Notre Dame) pode ser definido por essa palavrinha. Assim como Os Miseráveis, essa obra deixa uma marca distinta em mim, com suas metáforas sublimes. Aqui, fico com a aranha e a mosca e o grotesco interligado entre Quasímodo e Notre Dame. Mais a fundo e definitivamente marcada pela eternidade fico com todos os detalhes da história de Chantefleurie e o delírio profano de Frollo. Ambas as histórias se desenrolam de maneira sádica e trágica, palavras que recortam e resumem um sentimento que desde de o ínicio é dilacerante. Pois, quando Victor Hugo decide detalhar, ele entrega todo seu talento nas mãos do leitor. E o leitor bem sabe, não é mesmo? Adorei manter essa conversa de leitor/ escritor ao longo da obra. Foi como se eu caminhasse em 1482, conversasse em 1831 e contemplasse o conjunto em 2024. Genialidade que é reservada para poucos e Hugo definitivamente soube desde o início da sua vida como entalhar de maneira permanente seu nome na História. Nenhuma ação do tempo ou humana irá raspar seu nome. Nem mesmo a fatalidade.
Como leitora sincera, deixo aqui minha preferência por Os Miseráveis. Mas em nada tenho a pontuar sobre esse livro que tire sua grandeza (e que grandeza!). Opiniões firmes e eloquentes de Hugo foram essenciais para podermos apreciar Notre Dame ainda hoje. Ao longo do livro lutei contra a lástima de não possuir quase nenhum apoio visual de diversos elementos que entre assaltos, revoltas e guerras foram perdidos. E Hugo dedica uma parte muito importante sobre o antigo e o novo. O que decidem derrubar e reformar. Como a cidade de Paris se transformou ao longo dos séculos. E, meu Deus, foi o capítulo mais cansativo de todos a geografia de Paris em 1480, mas a excelência e a riqueza de detalhes me fez procurar despretensiosamente vídeos de pessoas caminhando por uma seleção de ruas de Paris e contando curiosidades de nomes, lojas e eventos que ocorreram em cada rua, complementando ainda mais essa experiência singular sobre entrelaçar aos dias de hoje as mesmas pedras vistas e tocadas há séculos antes. Hugo fez um trabalho de pesquisa tão minucioso ao ponto de eu me interessar profundamente por cada cruzamento de ruas que circundam Paris...Isso é surreal! E, sinceramente, fiquei um bom tempo devaneando sobre como seria enxergar Paris no alto da Notre Dame. Nunca vi nada sobre turistas poderem subir para pontos altos da igreja. Mas, se puderem, é um desejo que adoraria realizar.
Por fim, muitos personagens odiosos nesse livro. Os que se salvam são Quasímodo, a cabritinha Djali e talvez Gringoire. A que mais me despertou conflito entre amar e odiar foi Esmeralda. O amor cego dela me fez querer bater diversas vezes a cabeça na parede. Em muitos momentos gritei de raiva. Ela leva o prêmio de ter me tirado mais do sério do que a Cosette quando fica moça. Mil xingamentos para as ações dela, apesar de, no fim, o que me sobra é muita pena. Afinal, ela só tem 16 anos. Como leitor, é uma tortura. Mas, como humana, é algo que jamais poderei julgar. Até porque, esse livro é feito de paixões. Paixões delirantes, platônicas, carnais e todas não correspondidas. A ideia da necessidade que leva a fatalidade novamente. E saindo do âmbito das paixões, ressalto a revolta pela impunidade e injustiças. São temas que sempre aparecem, mas baseados ainda na longa pesquisa histórica de Hugo, percebemos que é cíclico e parece que nunca deixará de acontecer.
Bom, é meu segundo livro de Victor Hugo e vou me propor a continuar a aumentar minha coleção de histórias marcantes desse autor sempre que tiver a oportunidade. Eu assino esse acordo com a fatalidade. Ou com a necessidade? Uma introdução de livro para finalização de resenha. Ananke.