Rei Rato

Rei Rato China Miéville




Resenhas - Rei Rato


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Claudemir17 22/10/2022

Excelente fantasia moderna!
Miéville fez algo realmente incrível neste livro! Inspirado numa história antiga, o autor conta uma história moderna, complexa, intrigante e que merece cada umas das 5 estrelas!

O enredo vai se desenrolando com agilidade, mas, ao mesmo tempo, não dispensa os momentos de contemplação e ambientação, tão importantes para fisgar de fato o leitor.

Os personagens têm profundidade, são interessantes e explorados de forma certeira! Inclusive, Londres fica ainda mais interessante sob o ponto de vista dos personagens!

Gostei também dos conhecimentos musicais passados nos diálogos. Eles contribuem grandemente para a ambientação da história também.

Ao fim do livro, senti falta de apenas uma coisa: um outro livro de China Miéville para ler hahaha
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Antonio Luiz 01/12/2011

Um Esopo para o século 21
A fantasia urbana "Rei Rato", primeira obra do escritor inglês China Miéville a ser editada no Brasil, foi em 1998 seu romance de estreia, mas talvez seja mais interessante que "Perdido Street Station", obra de 2000 que inaugurou o subgênero conhecido como New Weird e pela qual é hoje mais conhecido.

"Perdido Street" é sobrecarregado por uma variedade ilimitada de seres imaginários e por uma trama exageradamente tortuosa. Tenta surpreender e chocar o leitor com a estranheza e a complexidade do mundo imaginário de Bas-Lag e da cidade de New Crobuzon, mas para isso força personagens a atitudes arbitrárias e apela a intervenções ex machina de entidades poderosas e imprevisíveis para forçar situações violentas ou comoventes. Abusa da boa vontade do leitor em aceitar o jogo do fantástico e o conjunto acaba por parecer uma colcha de retalhos de clichês de fantasia, horror e ficção científica, povoada por muitos personagens fracos, meros joguetes do acaso.

Já "Rei Rato", ambientado num submundo londrino na maior parte realista, apesar de habitado por alguns personagens surreais, tem uma trama razoavelmente orgânica. Os acontecimentos e as ações dos personagens principais, por estranhos que sejam, fazem sentido. São condicionados por suas próprias metas e necessidades, não pela intervenção arbitrária de entidades externas ou pela mão pesada do escritor.

O protagonista, apesar do histórico obscuro e da sua transformação um tanto repentina demais de rapaz inseguro e apático em entidade de poderes sobrenaturais e vontade feroz, é suficientemente humano para despertar o interesse e talvez a identificação do leitor.

Saul Garamond volta de um acampamento na praia. Ao chegar a seu apartamento e ouvir o som da televisão, pensa que o pai, que estava à sua espera, dormiu ao assistir o programa e vai a seu quarto dormir. Quer evitar falar com o pai viúvo, um militante socialista e sindical com o qual se relaciona mal e vai ao quarto e dorme, em vez de acordá-lo. Mas na manhã seguinte é acordado pelos golpes da polícia na porta e brutalmente levado à delegacia. O pai foi encontrado morto, aparentemente jogado pela janela, e o filho é o primeiro suspeito.

Confuso e aflito, Saul é preso numa cela depois de interrogado, quando recebe a visita de um misterioso e fedorento personagem, que parece ser um mendigo, mas não ter dificuldade nenhuma para se infiltrar na delegacia e abrir as grades e lhe oferece ajuda para fugir. E o jovem é carregado nas costas com facilidade, através da delegacia e pelos telhados de Londres.

O estranho é o “Rei Rato”. A expressão se baseia numa lenda do folclore europeu sobre grupos de ratos entrelaçados pelas caudas que exercem autoridade sobre os demais de sua espécie, fazendo-os trazer comida e prestar outros serviços, mas neste caso é um “rato” de forma humana, dotado de força extraordinária, invisibilidade e capacidade de comer e digerir lixo sem contratempos, entre outras habilidades. Que Saul descobre possuir também, pois não é inteiramente humano e sim meio-rato.

Os primeiros capítulos são um tanto perturbados por excessos barrocos de linguagem, como se o autor tentasse compensar a relativa lentidão das primeiras cenas com metáforas inusitadas. Por exemplo, “o movimento parecia ter durado mundo, muito tempo, a porta lutando caminho adentro pelo ar subitamente glutinoso. As queixas das dobradiças, emagrecidas pela doença, se propagaram muito depois da porta ter parado de se mover”.

A partir do momento em que a trama se revela e a ação se acelera, porém, a linguagem se torna menos pretensiosa e se enche de vigor. A esquisitice da forma é substituída, com vantagem, pela do conteúdo: “Tudo isso ficava a um milhão de quilômetros de distância do mundo cafona dos truques de mágica. Sua vida era serva de outro encantamento, um poder que tinha se esgueirado para dentro de sua cela na delegacia e o possuído, uma magia suja, crua, um encanto que fedia a mijo. Aquilo era vodu urbano, sustentado pelos sacrifícios dos atropelamentos, dos gatos e pessoas morrendo na pista, um I Ching de comes e bebes derramados e roubados, uma Cabala de sinais de trânsito”.

É pena que a maior parte das conotações peculiares das gírias cockney e do mundo do drum and bass inevitavelmente se percam na boa tradução por Alexandre Mandarino e tenham de ser suplementadas por muitas notas de fim de capítulo (que seriam menos incômodas nos rodapés). Por outro lado, talvez a tradução seja mais compreensível para o leitor brasileiro médio do que para um leitor anglo-saxão que não esteja enfronhado nos meandros da malandragem londrina e da subcultura das baladas techno.

Fosse Saul filho de um rei de sangue azul ou de um deus, seria uma “Jornada do Herói” tradicional, mas neste caso o protagonista é herdeiro de um submundo de esgotos, lixo e marginalidade londrina que o autor consegue tornar mais fascinante do que qualquer reino da carochinha, ao mesmo tempo que transforma o Flautista de Hamelin do conto de fadas num arquivilão de proporções épicas. Ficamos sabendo que os ratos deixaram de confiar em seu rei desde esse incidente medieval, no qual milhões deles perderam a vida. O flautista controla homens, ratos ou qualquer outro ser vivo com sua música e tem poderes sobrenaturais que o tornam quase invencível.

Saul é a esperança do Rei Rato e de seus aliados Loplop (rei dos pássaros, baseado num personagem criado pelo surrealista Max Ernst) e Anansi (rei das aranhas, baseado no folclore africano e afro-americano) para derrotar o flautista por ser um mestiço imune tanto a feitiços para homens e para ratos. Mas é alvo da perseguição do inimigo, que sabe de sua existência e se mostra muito mais cruel e engenhoso do que imaginava. Convence Natasha, amiga de Saul e compositora e DJ de drum and bass, a gravar fitas com sua flauta, que lhe permitem, com a sobreposição de linhas melódicas, tentar magias nunca dantes imaginados. Além disso, Saul rompe com o Rei Rato ao descobrir que ele o enganara sobre sua origem e a morte dos pais e os aliados, acovardados, brigam entre si. Essa luta surda deixa em Londres uma trilha de cadáveres mortos em circunstâncias estranhas e com incrível violência, assombrando os policiais que não compreendem o que se passa.

Talvez se possa ler a história como alegoria. Os reis-animais e seus súditos seriam as forças do inconsciente, o flautista o poder da publicidade e da indústria cultural de manipular as pessoas por meio do desejo e do consumo (os enfeitiçados por ele julgam ouvir o apelo de sexo e comida) e a balada techno como a ambiguidade de uma arte que pode servir tanto à alienação quanto à solidariedade e liberdade. E o mestiço Saul como a necessidade de combinar a razão e o inconsciente para superar a submissão aos encantos da mídia. Trata-se, em parte, de uma obra política, escrita por um teórico e militante marxista. Mas ao mesmo tempo é um bom romance de fantasia e horror, ou “dark fantasy”, em seus próprios termos, o que o torna muito mais eficaz em fazer pensar do que se fosse uma fábula moralista e panfletária.
Flavio.Vinicius 11/12/2020minha estante
Vc descreveu exatamente o que ei senti ao ler Perdido Street Station. Foi uma descrição cirúrgica dos erros que embotam a leitura de Perdido Street Station. Pretendo começar em breve Rei Rato, espero apreciar essa obra mais do que o que consegui aproveitar de Perdido...




T. Ururahy 03/06/2011

Coma uma fruta podre. Depois leve um soco no estômago.
Olá senhores(as)(itas), hoje eu trago para vocês talvez o meu maior desafio como resenhista: Rei Rato, livro de realidade fantástica escrito pelo britânico China Miéville e lançado no Brasil pela Tarja Editorial.

Eu encaro essa resenha como um desafio, pois tenho a sensação de que tudo que eu escrever aqui será spolier ou estará preparando o leitor para uma das inúmeras sensações que o livro te manipula a sentir. E isso vai roubar metade da graça da sua leitura. Sendo assim, dado que o desafio foi aceito, possivelmente essa resenha será um pouco menor do que as transcrições do Velho Testamento que eu estou acostumado a escrever.

Contextualizando, Rei Rato se passa em Londres, mais precisamente no lado obscuro da cidade. Para quem já teve o (des)prazer de visitar, estou falando do lado sujo e anárquico da capital inglesa, onde ficam os night clubs de música eletrônica experimental (especialmente D&B, Psy Trance e Jungle), onde os jovens se aglomeram para consumir as novidades em drogas sintéticas, onde os guetos de imigrantes jamaicanos e latinos se formaram. Basicamente, onde a cidade realmente pulsa, longe dos holofotes da realeza.

“Pulsar” é a palavra ideal para definir Rei Rato. As cenas são audíveis. Audíveis e fedorentas. O domínio da língua do autor chegou a um nível que faz com que você sinta o cheiro dos esgotos e a opressão dos opulentos prédios.

Pulsar? Cheiro de esgoto? Thiago, você está bêbado? Antes estivesse...hehe. Mas, antes que eu continue com as análises sobre a manipulação que o livro impõe ao leitor, segue um breve (mesmo!) briefing do enredo.

Saul é um jovem britânico que vive com o pai, homem com o qual não se dá muito bem. Em uma bela noite fria seu pai é assassinado e a polícia acha que Saul é o assassino. O guri vai preso por tempo suficiente para ser resgatado por uma criatura aparentemente humana, mas com habilidades animais e trejeitos no mínimo estranhos. Apresento-lhes o Rei Rato, um monarca caído, destituído de seu reino sedento por vingança contra... Não dá pra contar. Sério. É relevante demais e quando o livro te explica quem é o “vilão” seu queixo vai ao chão. A única reação que eu consegui ter foi sorrir com a forma brilhante com que o autor trabalhou uma história bonitinha e muito conhecida por todos nós. OK, mas o que o Rei Rato quer com Saul? Elementar, meu caro leitor. Saul é parente daquela criatura nojenta!
Minha explicação sobre o enredo acaba aqui. Fique claro que eu não contei nem 10% do que essa trama possui. Grandiosa e tensa. Tão tensa quanto uma teia de aranha.

Tecnicamente... bom, estamos falando de um autor britânico. Possivelmente a escola mais completa de literatura no mundo. Mesmo sendo seu primeiro romance, China não deixa escapar nenhuma falha perceptível. As cenas se entrelaçam algumas vezes durante um capítulo ou uma passagem mais longa, porém, em nenhuma das vezes essa sobreposição de fatos e unidades dramáticas te confunde. A leitura é simples, independente de estar recheada de termos do jargão coloquial da juventude londrina.

O núcleo principal também é um só: Saul. E ponto final. Descrições acerca de seus amigos, do antagonista e de um policial que está investigando a morte pipocam vez ou outra com o objetivo único de avançar a trama ou, no caso do policial, expor seus conflitos internos. E é nesse ponto que o livro me deixou um pouco chateado: quando você está admirado e atento ao Inspetor-Detetive Crowley ele deixa a trama, assumindo um papel totalmente coadjuvante. Eu gostaria de ver esse personagem mais envolvido nos acontecimentos finais.

Eu desafio o leitor a ler o livro e não sentir uma desconfortável inquietação a respeito da forma como vemos alguns dos chamados “párias” da nossa sociedade. Porque, no mais a mais, Rei Rato é um soco no estômago. O livro esmiuça de uma forma alegórica os sentimentos mais vergonhosos do ser humano, trabalhado sobre um pano de fundo fantástico e coroado com a podridão de uma das galerias de esgoto mais antigas da Europa.
Heidi Gisele Borges 03/06/2011minha estante
Thiago, sua resenha me deixa com mais vontade de terminar logo a leitura rs... Realmente - e ainda bem - não contou muita parte importante. A qualidade da história está me chamando bastante atenção, adoro esse lado sujo de Londres, me encanta, mesmo.




CooltureNews 12/07/2011

Por: Thiago Rururahy
Publicada no CooltureNews

Olá senhores(as)(itas), hoje eu trago para vocês talvez o meu maior desafio como resenhista: Rei Rato, livro de realidade fantástica escrito pelo britânico China Miéville e lançado no Brasil pela Tarja Editorial. O autor, nascido em 1972 na cidade de Norwich, é um premiado escritor de ficção fantástica em seu país. Ele costuma descrever o seu trabalho como “Ficção Estranha” (Weird Fiction) e pertence a um grupo de escritores que passou a ser conhecido como New Weird, que tentam afastar a fantasia dos grandes clichês que a Alta Fantasia (como Tolkien) nos deixou de legado.

Eu encaro essa resenha como um desafio, pois tenho a sensação de que tudo que eu escrever aqui será spolier ou estará preparando o leitor para uma das inúmeras sensações que o livro te manipula a sentir. E isso vai roubar metade da graça da sua leitura. Sendo assim, dado que o desafio foi aceito, possivelmente essa resenha será um pouco menor do que as transcrições do Velho Testamento que eu estou acostumado a escrever.

O trabalho gráfico feito pela Tarja é, sem medo de errar, o melhor que eu já vi. A qualidade do papel é muito superior (importado da Espanha, se não me falha a memória) e, mesmo com suas centenas e centenas de páginas, Rei Rato é extremamente leve. Além de tudo, também possui um recuo interno maior e letras em um tamanho bastante agradável. Conclusão, moleza de ler em transporte público.

Contextualizando, Rei Rato se passa em Londres, mais precisamente no lado obscuro da cidade. Para quem já teve o (des)prazer de visitar, estou falando do lado sujo e anárquico da capital inglesa, onde ficam os night clubs de música eletrônica experimental (especialmente D&B, Psy Trance e Jungle), onde os jovens se aglomeram para consumir as novidades em drogas sintéticas, onde os guetos de imigrantes jamaicanos e latinos se formaram. Basicamente, onde a cidade realmente pulsa, longe dos holofotes da realeza.

“Pulsar” é a palavra ideal para definir Rei Rato. As cenas são audíveis. Audíveis e fedorentas. O domínio da língua do autor chegou a um nível que faz com que você sinta o cheiro dos esgotos e a opressão dos opulentos prédios.

Pulsar? Cheiro de esgoto? Thiago, você está bêbado? Antes estivesse…hehe. Mas, antes que eu continue com as análises sobre a manipulação que o livro impõe ao leitor, segue um breve (mesmo!) briefing do enredo.

Saul é um jovem britânico que vive com o pai, homem com o qual não se dá muito bem. Em uma bela noite fria seu pai é assassinado e a polícia acha que Saul é o assassino. O guri vai preso por tempo suficiente para ser resgatado por uma criatura aparentemente humana, mas com habilidades animais e trejeitos no mínimo estranhos. Apresento-lhes o Rei Rato, um monarca caído, destituído de seu reino sedento por vingança contra… Não dá pra contar. Sério. É relevante demais e quando o livro te explica quem é o “vilão” seu queixo vai ao chão. A única reação que eu consegui ter foi sorrir com a forma brilhante com que o autor trabalhou uma história bonitinha e muito conhecida por todos nós. OK, mas o que o Rei Rato quer com Saul? Elementar, meu caro leitor. Saul é parente daquela criatura nojenta!

Minha explicação sobre o enredo acaba aqui. Fique claro que eu não contei nem 10% do que essa trama possui. Grandiosa e tensa. Tão tensa quanto uma teia de aranha.

Tecnicamente… bom, estamos falando de um autor britânico. Possivelmente a escola mais completa de literatura no mundo. Mesmo sendo seu primeiro romance, China não deixa escapar nenhuma falha perceptível. As cenas se entrelaçam algumas vezes durante um capítulo ou uma passagem mais longa, porém, em nenhuma das vezes essa sobreposição de fatos e unidades dramáticas te confunde. A leitura é simples, independente de estar recheada de termos do jargão coloquial da juventude londrina.

O núcleo principal também é um só: Saul. E ponto final. Descrições acerca de seus amigos, do antagonista e de um policial que está investigando a morte pipocam vez ou outra com o objetivo único de avançar a trama ou, no caso do policial, expor seus conflitos internos. E é nesse ponto que o livro me deixou um pouco chateado: quando você está admirado e atento ao Inspetor-Detetive Crowley ele deixa a trama, assumindo um papel totalmente coadjuvante. Eu gostaria de ver esse personagem mais envolvido nos acontecimentos finais.

Eu desafio o leitor a ler o livro e não sentir uma desconfortável inquietação a respeito da forma como vemos alguns dos chamados “párias” da nossa sociedade. Porque, no mais a mais, Rei Rato é um soco no estômago. O livro esmiuça de uma forma alegórica os sentimentos mais vergonhosos do ser humano, trabalhado sobre um pano de fundo fantástico e coroado com a podridão de uma das galerias de esgoto mais antigas da Europa.

Rei Rato não é um livro barato – tem sido vendido acima de 40 reais -, mas eu posso afirmar que vale cada real dispendido.
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Josué de Olivei 04/08/2011

Londres pelos olhos de um homem-rato.
(Resenha originalmente postada no blog www.depositodedesatinos.blogspot.com)


China Miéville é um escritor que comumente tem o nome associado a um subgênero relativamente novo da literatura fantástica conhecido como new weird. O romance de estreia do inglês, “Rei Rato” (Tarja Editorial, 400 páginas), lançado originalmente em 1998, acaba de ser publicado no Brasil numa elegantíssima edição, marcando a chegada de um dos autores mais alardeados da última década ao nosso mercado. “Perdido Street Station”, seu segundo livro, considerado uma obra-prima e espécime perfeito do que é o new weird já está sendo traduzido pelo mesmo Alexandre Mandarino que cuidou de “Rei Rato” – e já tem endereço certo na minha estante, ao julgar pela qualidade que encontrei neste primeiro trabalho do cara.

O cenário é Londres, e nosso protagonista, Saul Garamond, um jovem de vinte e poucos anos que é levado pela polícia para interrogatórios na fria manhã em que seu pai cai da janela do apartamento onde morava. Abalado, confuso e visto como um suspeito de assassinato, Saul é liberto de sua cela por uma estranha e fedorenta figura que se move furtivamente e fala no jargão cockney (espécie de dialeto do East End de Londres), uma figura amarga que se autoproclama Rei Rato e lhe conta segredos de seu passado. Saul tem sangue de rato nas veias, faz parte da realeza, e os bueiros e esgotos da cidade passam a ser sua morada com Rei Rato, que planeja uma vingança há muito atrasada contra um misterioso e malévolo inimigo.

A trama se concentra, num primeiro momento, na passagem de Saul para seu novo mundo: os becos sujos, as esquinas escuras, os telhados e calhas, os caminhos sinuosos da rede de esgoto, os cantos da cidade para os quais se evita olhar e onde as sombras camuflam o movimento agora lhe são familiares, compondo seu novo lar. Miéville é extremamente competente em suas descrições de Londres não somente no sentido da ambientação em si, mas também em expressar a transformação da cidade aos olhos de Saul – transformação esta que se confunde com sua própria. Sua identidade de rato lhe confere habilidades e características como furtividade, rapidez e força, ao mesmo tempo em que o transformam num clandestino, um rabisco imperceptível à sombra dos prédios e por sobre os telhados. O conflito das duas naturezas de Saul, o afastamento que sua nova condição exige versus a necessidade de contato com pessoas normais é um dos elementos mais bem trabalhados de “Rei Rato”. O momento em que Saul trava um diálogo com uma sem-teto portadora de problemas mentais ilustra muito bem seu estado de solidão e o desejo por elos verdadeiros e humanos, em contraste com a sujeira em suas roupas e a horda de seres rastejantes que o segue.

Em contraste, Rei Rato abraça inteiramente seu lado animal, mostrando-se sempre mais rápido, mais forte, mais cheio de si. Orgulho, ambição e desejo por poder o governam, o que o coloca no extremo oposto de Saul. Sua “sala do trono” – uma espécie de aposento real bem no meio dos esgotos de Londres, com direito a um trono – é a amostra perfeita de sua personalidade arrogante e ufanista. Em paralelo, Saul não consegue se imaginar vivendo como o mentor – e não podemos deixar de nos perguntar à medida que a leitura prossegue se Saul irá se tornar ele mesmo um novo Rei.

A trama guarda boas surpresas, principalmente no que se refere ao passado de Rei Rato, Saul e seu pai morto. Uma reviravolta em particular é bastante previsível, o que não atrapalha, já que o autor é sensato o suficiente para não apoiar a história sobre ela. Dois amigos de Saul, Fabian e Natasha, têm papéis importantíssimos, sobretudo no clímax, e os emblemáticos Loplop, senhor dos pássaros, e Anansi, mestre das aranhas, também figuram entre os curiosos personagens principais. Miéville concede particularidades a cada uma das figuras que cruzam suas páginas, fazendo com que soem imprevisíveis, exóticas, espirituosas, nunca aborrecidas ou tediosas.

Mas o maior mérito do autor sem dúvida foi ter criado para Saul uma nêmesis verdadeiramente ameaçadora. (Não vou dizer aqui quem é o vilão da história, pois considero um pequeno spoiler, mas trata-se de um personagem que remete a certa lenda europeia transformada em conto pelos Irmãos Grimm.) Acompanhando suas ações permeadas por crueldade e total desprezo pela vida humana e constatando a todo momento seu enorme poder, realmente tememos pelo destino de Saul quando chegar o momento da batalha final entre os dois – o que tempera o clímax com boas doses de expectativa e suspense.

E falando no clímax, este que não funcionaria sem outro personagem constante nas páginas de “Rei Rato”: o drum and bass, estilo de música eletrônica surgido em meados dos anos 90, derivado do jungle, caracterizado pela presença constante de linhas de baixo e batidas rápidas. Se Miéville mostra-se inspirado em suas descrições da selva urbana londrina, parece ainda mais solto ao dissecar em detalhes os elementos que dão forma ao drum and bass, sobretudo nas sequências em que Natasha está presente (a amiga de Saul é também uma DJ). Muito mais que apenas estilo musical, o D&B constitui toda uma subcultura, com seus jargões, gírias, formas de comportamento. A forma como a música se incorpora à trama é admirável, justificando todo o tempo dedicado a expô-la, desnudá-la, exibi-la da maneira mais elaborada possível.

Escrito numa prosa cheia de estilo, fundindo com fluidez a fantasia a um ambiente urbano, sem se comprometer com finais felizes e evidenciado a veia marxista de seu autor em certos trechos específicos (Miéville é membro do Socialist Workers Party), sobretudo no epílogo, “Rei Rato” foi certamente uma de minhas melhores leituras esse ano. Seus poucos pontos negativos mal são notados, passando como ratinhos assustados (uma escolha de palavras que me parece apropriada) ao encararem a esmagadora qualidade do romance. Incomodou-me discretamente o pouquíssimo contato entre Saul e seus amigos ao longo da história, uma vez que grande parte das ações do protagonista se justificam por sua enorme preocupação com Fabian e Natasha. Por outro lado, há momentos em que Miéville se excede um pouco em todas as suas descrições. Nada disso atrapalha a leitura ou enfraquece a trama como um todo. “Rei Rato” é uma ótima experiência literária, funciona muitíssimo bem como entretenimento e nos introduz a um autor de talento indiscutível. Que venha “Perdido Street Station”.

Boas leituras.
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LUNII 26/01/2022

Após a morte misteriosa do seu pai, Saul, é abordado por um ser da noite, o Rei Rato e esse lhe diz, que ele na verdade é um rato.
É um livro de fantasia com um estilo bem diferente, não tem toda aquela elaboração de detalhes sobre o universo que nem o livro Estação Perdido do mesmo autor, mas constrói um universo muito interessante.
No entanto, a narrativa e os personagens já no início do livro me deu uma desagradada. Saul não é cativante e profundo, até certo momento parece que nem esboça reação sobre a morte do pai. Outra coisa, é o fator musical que é muito importante para a narrativa, principalmente pq o vilão é um flaustista. Mas, por não conhecer esse gênero que os personagens gostam a gente fica meio de fora, dificultou ainda mais a gostar dos personagens. Do meio pro final, nas cenas de ação o livro da uma animada, isso se deve ao vilão, que eu adorei. Para escrever desgraça o China Miévelle é ótimo.

Foi legal ler o primeiro livro de um autor renomado atualmente, deu para entender muita coisa que ele evoluiu. Não posso deixar de comentar que Rei Rato e Estação Perdido são os livros de fantasias mais realistas que já li, apesar de não ter gostado tanto, ainda vale a pena dar uma lida.
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Mariana 04/06/2023

Bom demais
Um história baseada em um conto tão conhecido, China trouxe um tom sombrio, violento e fantástico para a história.
Vale muito a pena a leitura, me amarrei.
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Fernando Franco 09/05/2013

Rei Rato na selva do jungle e drum'n'bass
O livro possui diversos atrativos: além de se tratar de weird fiction (ficção estranha) - mais precisamente, new weird -, China Miévlille ainda traz uma mistura de cultura underground da Londres dos anos 80-90, o jungle e drum and bass, uma nova cara ao O Flautista de Hamelin (um conto dos irmãos Grimm), e uma história, no mínimo, interessante de se acompanhar. É bem verdade que algumas passagens podem ser cansativas, em que o autor dedica quase um capítulo inteiro narrando o processo de criação de músicas por uma das personagens, e ainda narrando quase que exaustivamente as escaladas e percursos por Londres do protagonista-rato. Rei Rato é um prato cheio para amantes de fantasia, cultura underground e - principalmente - para quem tem estômago forte.
Jossi 09/08/2013minha estante
Puxa, eu estou com o livro aqui, me preparando para ler. Mas pelo visto terei que lê-lo longe das horas das refeições... Por todas as resenhas lidas, aparentemente há cenas "eca" pelo livro todo. Não sou fã de cenas excessivamente bizarras e/ou nojentas, mas às vezes é preciso fazer alguma exceção.

Bem, não conheço ainda a 'ficção estranha' (para não usar estrangeirismo, hehehe) nem a 'cultura-de-baixo', rss. Assim, vamos ao livro!




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hanny.saraiva 22/02/2017

Algo no ar coalhado
Narrativa um pouco prepotente porque não é tão nojento quanto pregam. Me lembra a atmosfera de Neverwhere (Gaiman) com uma dose de algum episódio de Doctor Who e uma pitada de cunho político. Não me chocou nem me trouxe asco. Acho que comecei a leitura buscando algo grotesco e meio que me decepcionei.

Citações preferidas:
- Os sons de seu corpo estavam cheios como sempre, não afetados pelo estranho vampirismo sônico.
- Percebeu que o cheiro de Londres era cheiro de rato.
- Sou mais do que a soma das minhas partes.
- Londres dormia, gorda e perigosa.
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Coruja 06/08/2013

Estou indecisa sobre minha opinião sobre esse livro, porque ele é algo bem diferente do que costumo ler. É fantasia, mas uma fantasia urbana que soa com as batidas da percussão de baladas eletrônicas; uma história suja de mentiras, traições, ratos e lixo, muitas vezes claustrofóbica, fétida, presa em esgotos e vãos de parede.

Miéville sabe muito bem entrecer uma trama de mito e fantasia com realidade – uma Londres que pulsa com seus contrastes de riqueza e miséria, onde cada palavra parece estar repleta de ritmo (aliás, parabéns para a tradução que soube trazer essa musicalidade para o português), e rivalidades sórdidas de séculos se confundem com batidas eletrônicas, suor e drogas.

Saul é um jovem aparentemente comum, que vive com seu pai nos subúrbios e às vezes tem suas diferenças com o velho, que acredita que o filho está desperdiçando seu potencial. Isso gera algumas discussões e com o tempo acabou por cavar um abismo entre pai e filho.

A história começa com Saul voltando para casa depois de acampar com um amigo. O pai está na sala assistindo TV – para evitar uma briga, o rapaz se enfia direto no quarto e é acordado no meio da noite com a polícia batendo à porta.

Há um corpo jogado no chão do lado de fora do prédio. O corpo é do pai de Saul e alguém empurrou o velho pela janela – enquanto ele dormia no quarto ao lado, completamente ignorante do que estava acontecendo.

Obviamente que o rapaz é o primeiro suspeito do crime, e a polícia o leva para a delegacia, onde Saul vai encontrar pela primeira vez um homem que se apresenta como Rei Rato, seu tio, irmão de sua falecida mãe.

Mais que isso, ele revela que Saul pertence à realeza num reino invisível que alcança do alto dos arranha-céus aos esgotos da cidade. Ele é um Rato e alguém está atrás dele, alguém que não hesitará em matar quem quer que esteja no caminho para dar cabo de Saul.

Alguém que entrou para a história e para a lenda como um exterminador de pestes e pragas. Ninguém mais, ninguém menos que... ok, não posso entregar quem é, vocês terão de ler por si e cair da cadeira como eu fiz quando percebi quem ele era...

Esse é o livro de estréia de Miéville, uma estréia soberba, violenta, fascinante. Rei Rato pode ser um livro de fantasia, mas ele vai muito além do fantástico com que estamos acostumados: é sujo, violento, marginal, épico e inteiramente humano.

site: http://www.owlsroof.blogspot.com.br/2013/08/desafio-literario-2013-agosto-vinganca.html
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Lucas 21/08/2013

Fantasia Urbana
Gostei bastante da história. Bem construída, permeada de boas sacadas, uma linguagem adulta e muito urbana. Saul Garamond é um hibrído, um ser meio humano meio rato que perambula pelos esgotos de Londres, atrás de toda sorte de imundice, na companhia de seus irmãos ratos. Conta também com a "amizade" de pássaros e aranhas. Ao longo do livro vai ter que enfrentar um arqui-inimigo poderosíssimo chamado flautista, que hipnotiza e controla a todos com sua, logicamente, flauta.

Descrevendo assim até parece ser uma história infantil ou juvenil, mas não é. Toda a temática é adulta, com muita violência, palavrões desenfreados e surpresas ao longo da narrativa. Gostei bastante e recomendo a todos. O único porém, aquele que evitou classificar o livro com 5 estrelas, foi a excessiva linguagem urbana. O autor descreve várias ruas e estações de metrô de Londres, além de todas as gírias e estilo de vida da música eletrônica, como jungle, drum 'n bass, revistas especializadas e clubes noturnos. Achei que toda essa descrição minunciosa tornou o livro ligeiramente maçante pra quem não se identifica muito com esse segmento musical (EU!).
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Alan 17/01/2014

O Grimm londrino
O romance Rei Rato conta uma história que me lembrou um pouco o seriado Grimm por mostrar personagens saídos de fábulas que ao mesmo tempo são animais e gente. O tipo da escrita que coloca os contos de fada em um ambiente moderno é muito interessante. Principalmente o jeito em que o autor os descreve, um tom bem poético, o livro chama o personagem principal de rato várias vezes. Você pode interpretar isso como sendo uma pessoa com apelido de animal ou como se o autor estivesse falando de um animal de fato. Minha experiência com China Miéville começou com o pé direito. Agora é só esperar por Perdido Street Station que a editora Tarja prometeu que iria publicar desde 2011, mas que até agora nada.

site: http://www.almhpg.com/tolkienmetal/?p=1900
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