Dhiego Morais 24/05/2017O PesadeloO Erro foi alucinante. O Sacrifício foi dramático. Porém, O Pesadelo poderíamos classificar como um tanto que... sombrio. Ainda assim, não acredito que a palavra dê todo o seu significado ao enredo deste volume, pois mesmo que ele não seja melhor que o anterior não se abstém de surpresas.
O sétimo livro da série As Aventuras do Caça-feitiço parte dos eventos posteriores à vitória nas planícies da Grécia. Derrotar Ordeen, uma das deusas antigas não poderia ter sido uma tarefa fácil. O preço foi elevado, e isso custou a morte de muitas personagens, entre elas a mãe de Thomas Ward, o aprendiz de Caça-feitiço.
O modo como a mãe de Thomas enfrenta Ordeen, a deusa sanguinária, em sua forma verdadeira (com direito a asas de anjo e uma fúria mortal), e se amarra a ela para dar o abraço fatal, não poderia ter sido mais dramático e triste. Quando Delaney finalmente revela a história de uma de suas personagens mais misteriosas, ele simplesmente a liquida, sem dó nem piedade.
O Caça-feitiço do norte do Condado, Bill Arkwright também perece nos momentos finais, o que faz com que os seus corajosos cães fiquem sob a guarda de Tom e do Velho Gregory.
Ansiando pelo retorno a casa em Chipenden, não tarda para que o trio descubra que as tropas do exército inimigo haviam avançado terrivelmente para o interior do Condado. Casas queimadas e vilas saqueadas deixam todos com os pelos em pé. O temor por sua biblioteca se prova verdadeiro e o Caça-feitiço desmorona fisicamente e emocionalmente. A sua velha casa estava destruída, bem como a sua biblioteca. Somente um livro escapa: o Bestiário. O ogro que protegia as terras de John Gregory estava desaparecido. No entanto, o pior ainda estaria adiante: as covas de algumas feiticeiras estavam remexidas, e a de Lizzie Ossuda, aberta!
Sem lar e sendo perseguidos, obrigados a fugir de sua terra natal, Tom, Alice e o Caça-feitiço se veem obrigados a ir para o único lugar mais seguro: a Ilha de Mona, nos arredores da Irlanda.
Velejando para essas terras estranhas e muito bem habitadas, não tarda para que os três descubram que lá as coisas funcionam de outra maneira. Em Mona, amigos das trevas e feiticeiras são tratados com barbárie e a tortura é o menor dos fatores. Criaturas perigosas governam os subterrâneos. São os Bugganes, seres que se alimentam do animus, a parte humana que dá sustento, força de vontade e ânimo ou identidade; para depois se alimentarem do sangue e da carne, triturando as presas, agora, ocas.
“[...] Vi sua boca se abrir, revelando os dentes triangulares e afiados em seu interior. Ele enfiou os dentes fundo na garganta de Daniel Stanton e bebeu seu sangue com apetite. Quando ele o drenou, começou a rasgar sua carne [...]”.
O Pesadelo é, acima de tudo, um dos livros mais importantes para a série, pois, além de ser o SÉTIMO livro (e o número sete adquire um grande poder e significado para a história de Delaney), ele marca o êxodo do Caça-feitiço e companhia das terras que deram as primeiras aventuras para a série.
Se em O Sacrifício pudemos notar a pouca participação de John Gregory na história, mais focada na mãe de Thomas e no próprio protagonista; neste volume é nítido o enfoque no Velho Gregory. Entretanto, Delaney não atribuiria apenas maravilhas ao fazer isso, muito pelo contrário, ele faz valer o ditado: nada é tão ruim que não possa piorar.
Realizando uma análise em John, o Caça-feitiço, o que podemos constatar é desolador, torturante. De um homem forte e decidido, praticamente incorruptível e que não teme se sacrificar para o bem de seu serviço, que não aceita ser derrotado; vemos em O Pesadelo um velho enfraquecido pelas trevas, torturado e agonizado, que sofre de pesadelos terríveis e vê em suas derrotas o seu fim. John Gregory é continuamente derrotado, e se afunda em suas mágoas e tristezas, vendo o pesadelo das trevas se fortalecendo bem diante de si, enquanto ele enfraquece e se transforma em uma criatura impotente.
“[...] — A partir de agora, você ficará mais forte e ele, mais fraco. Um dia, isso acontece com todos nós. Ele tem tido uma vida longa enfrentando as trevas, mas agora ela está chegando ao fim. Você será o novo caça-feitiço e seria melhor se preparar para substituí-lo [...]”.
Escrever e trabalhar em uma série tão extensa não é dos fatos mais incomuns atualmente. No entanto, mantê-la fluida e de qualidade é continuamente complicado. Delaney é uma exceção nesse meio, pois consegue surpreender e dar mais profundidade a cada volume.
A ilustração de capa de David Wyatt representa perfeitamente a imagem que se pode extrair da obra ao virar a última página. O Caça-feitiço não é mais o homem de antigamente. Os seus ideais ainda persistem, porém a sua força se esvai com a crescente maré das trevas que o Maligno empurra pelo mundo. É essa carga sombria que traduz o oculto em suas palavras e em seus capítulos. É o que torna O Pesadelo um livro sobre a derrota.
Aqui, uma velha personagem se ergue: Lizzie Ossuda, a mãe malévola de Alice! E ela procura vingança pelo que o Caça-feitiço e seu aprendiz lhe infligiram. Lizzie não é mais uma simples feiticeira de Pendle. Não, ela está inúmeras vezes mais poderosa depois de completar quarenta anos, a idade do auge das feiticeiras.
Uma carga dramática estoura no Caça-feitiço, e os seus sonhos são manipulados e transformados em pesadelos premonitórios. Em um deles, ele vê Lizzie sentada em um ostentoso trono. O seu olhar é vitorioso e o chão de seus pés está embebido em sangue. Ela governava como rainha!
“[...] — Ela estava sentada em um trono — prosseguiu meu mestre —, com o Maligno de pé ao seu lado, a mão no ombro esquerdo dela. Estavam em uma sala grande que, de início, não reconheci. O assoalho começou a ficar vermelho por causa do sangue. Os prisioneiros gritavam de terror antes de serem executados — estavam lhes cortando as cabeças [...]”.
Nossos protagonistas precisam ser fortes, pois a cada capítulo novas reviravoltas surgem e os derrubam sem piedade. Tom precisa ser o pilar da resistência entre ele e o Velho Gregory, principalmente porque a linha que os mantinha próximos começa a se tornar tênue e muito fraca, depois de Tom se valer de métodos duvidosos e execráveis para o seu mestre.
Tom e Alice estão ainda mais grudados. O motivo: depois de Thomas vender a sua alma para o Maligno a troco de saber onde Ordeen se encontrava na Ord, de salvar o Condado e atrasar o tempo em uma hora. A única salvação se encontra no cântaro de sangue feito por Alice.
Em Mona, o trio precisará usar todos os seus artifícios para se manter vivo. Um poderoso xamã reside na Ilha, e um embate cruel entre as trevas e a luz acontecerá quando Lizzie Ossuda, o Xamã e o Caça-feitiço se encontrarem. Será o Caça-feitiço forte o suficiente para mais esta batalha?
A tradução persiste nas mãos de Ana Resende, sem erros gritantes de revisão. As ilustrações, arte de capa e diagramação mantêm a qualidade das edições anteriores, o que é um contínuo ponto positivo para a Bertrand Brasil.
O sentimento que impera ao encerrar o livro é o de derrota. Este livro é sobre isso. Ele é sombra e amargura. É treva e frio crepuscular. O sétimo volume de As Aventuras do Caça-feitiço é a soma de tudo isso em uma única e expressiva palavra: pesadelo.
CUIDADO: NÃO DEVE SER LIDO À NOITE!
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