Son Vasconcelos 29/10/2009
Dedicado ao estudo de diversos assuntos e considerado um dos intelectuais mais influentes de sua época, o sociólogo francês Pierre Bourdieu não poderia deixar de ser lembrado pelas suas críticas aos meios de comunicação com a obra ‘Sobre a Televisão – seguido de A Influência do jornalismo e Os Jogos Olímpicos’ (Jorge Zahar Editor - 1997).
No livro de 143 páginas, o autor abre uma polêmica discussão ao estudar a cultura mediática no espaço da mídia. Neste livro, Pierre Bourdieu disseca e desmonta os mecanismos de censura que estão nos bastidores da televisão, por trás das imagens e discursos exibidos na TV. Um alerta para os perigos que tais mecanismos representam para todas as esferas culturais.
Para Bourdieu, a tela da televisão tornou-se hoje ‘uma espécie de espelho de Narciso, um lugar de exibição narcísica, no qual querem se mirar os intelectuais (filósofos e escritores) mediáticos’, do qual fogem os eruditos e pensadores, evitando uma mídia extremamente superficial.
Bourdieu acha que pouca coisa pode ser dita num veículo que impõe o assunto, o tempo irrisório e que tem interesses econômicos invisíveis e, muitas vezes, inconfessáveis. Tudo isso faz da televisão, segundo o sociólogo, um formidável instrumento de manutenção da ordem simbólica. O que se pode dizer na telinha? A pergunta deveria ser uma espécie de reflexão destinada a buscar meios para superar as ameaças da instrumentalização.
Dentre as várias razões, evidenciadas pelo estudioso, para a ausência de debates ou discussões aprofundadas na TV por parte dos jornalistas e apresentadores está na relação tempo – fator determinante na produção de qualquer programa televisivo.
Ora, se há pouco tempo, porque preenchê-lo com coisas fúteis? Não há outra explicação. As coisas fúteis vendem; o entretenimento alimenta o bolso dos empresários da comunicação. A exemplo disso, não se pode deixar de referenciar um dos programas da emissora de maior alcance no país – o Big Brother Brasil, já em sua sétima edição, pela TV Globo. É um tempo raro preenchido com o vazio ou quase nada, sem informações pertinentes que deveria possuir o cidadão para exercer seus direitos democráticos. E o pior de tudo: o programa não ensina nada, mas atrai. Diariamente, no período noturno, milhões de brasileiros estão ligados no programa.
De fato, A TV coloca em risco diferentes áreas do conhecimento, assim como a vida política e a cidadania. Entretanto ela tem potencial para ser "um extraordinário instrumento de democracia direta", sem constrangimentos de qualquer ordem.
Em seus estudos, o autor desenvolveu sua análise sobre a televisão e, particularmente, sobre o jornalismo televisivo a partir da noção de campo. "Um campo é um espaço social estruturado, um campo de forças – há dominantes e dominados, há relações constantes, permanentes, de desigualdade, que se exercem no interior deste espaço – que é também um campo de lutas para transformar ou conservar este campo de forças." (p:57).
Como se estrutura o campo jornalístico e quais as conseqüências desta estruturação para o jornalismo que nos é oferecido pela TV? De acordo com Bourdieu o universo do jornalismo é um campo que está sob a pressão de outras esferas, como a econômica, a partir de uma realidade a qual a TV cada vez mais se submete: o índice de audiência.
Em íntima conexão com os índices de audiência estão os critérios de seleção daquilo que será mostrado na TV. A TV convida à dramatização: põe em cena as imagens e exagera a importância do fato, seu caráter dramático e trágico. Os acontecimentos são selecionados a partir do princípio do sensacional, do espetacular, da busca do "furo jornalístico", que inunda a tela de enchentes, incêndios, acidentes, assassinatos e aquilo que chama à atenção do telespectador, isto é, assuntos que vendem.
Salvo alguns poucos programas informativos das emissoras do território nacional, a maioria deles excede a dose de temas que tratam sobre o despeito ou a desconsideração dos valores humanos e éticos. É a superexposição e banalização da violência, da criminalidade, da onda de atos ilícitos.
Ao submeter-se à pressão comercial, a TV pode "ocultar mostrando, mostrando uma coisa diferente do que seria preciso mostrar caso fizesse o que supostamente faz, isto é, informar; ou ainda mostrando o que é preciso mostrar, mas de tal maneira que não é mostrado ou se torna insignificante, ou construindo-o de tal maneira que adquire um sentido que não corresponde absolutamente à realidade" (p:25).
A televisão é, assim, um instrumento de criação da realidade que, no entanto (e aí está o fundamento da violência simbólica), esconde esta função sob a máscara de mera observadora desta realidade. Com isso, a imprensa e, em particular, a televisão assumem de imediato uma posição protagonística nas lutas políticas, ainda mais quando se sabe, de acordo com a definição de Bourdieu, que um dos traços centrais da política — senão o traço central — é a disputa pela imposição de representações do mundo social.
Os direitos da audiência devem ser resguardados sim, e cabe a TV cumprir os papéis sociais de um meio de comunicação deste porte. Talvez estas sejam condições importantes para a garantia da possibilidade de programas informativos que não se prendam à lógica do patrocinador, aos interesses da direção.