Procyon 07/04/2024
Sapato florido - comentário
?As únicas coisas eternas são as nuvens?? (p. 32)
Sapato florido, terceiro livro de Mario Quintana, publicado em 1948, é um conjunto de poemas em prosa que passeia por entre a existência. Quintana emprega uma prosa poética marcada pelo coloquialismo, de versos leves e simples, ausentes de rimas, que ilustram cenas cotidianas com humor e originalidade. Apesar de um tanto confusa e estranha, a poesia de Quintana parece brincar com as palavras, utilizando-se de uma linguagem simples e direta, todavia repleta de simbolismos e metáforas ao abordar temas como a fragilidade da vida e a inexorabilidade da morte, além de amor, solidão e a beleza das pequenas coisas. Nota-se a presença constante da natureza, ao que o autor evoca imagens de flores, pássaros, do sol e da chuva, como diferentes metáforas para vida humana. Apesar de alguns problemas bastante aparentes ? o fato de Quintana, um homem branco e sulista do Brasil do século XX, descrever pessoas negras com imagens servis e domesticadas ?, ainda sim é um livro que consigo tirar coisas boas dele. Alguns trechos parecem nos convidar a desacelerar da rotina ansiosa e dos mundinhos virtuais e apreciar a beleza, por exemplo, nas nuvens. Deixo aqui, portanto, alguns deles.
?O seguro morreu de guarda-chuva.? (p 42) Este evoca, ao mesmo, o dadaísmo moderno e o shitpost contemporâneo.
?Deconfia dos que não fumam: esses não têm vida interior, não têm sentimentos. O cigarro é uma maneira disfarçada de suspirar.? (p. 45) Eu não poderia discordar mais?
?Por causa dos ilusionistas é que hoje em dia muita gente acredita que poesia é truque.? (p. 48)
?O que mais me comove, em música, são essas notas soltas ? pobres notas únicas ? que do teclado arranca o afinador de pianos?? (p. 49)
?As folhas enchem de ff as vogais do vento.? (p. 51)
?Amar é mudar a alma de casa.? (p. 58)
?O Homem Invisível via-se obrigado a botar máscara. Era uma face enganadora, alheia, sinistra, melancólica...
O Poeta, para entrar em contato com os outros homens, põe-se a fazer poemas.? (p. 62)
?O quotidiano é o incógnito do mistério.? (p. 91)
?A mentira é uma verdade que se esqueceu de
acontecer.? (p. 98) Com isso, dei uma boa risada contida.
?Oh! não há nada como um pé depois do outro?? (p. 109) Do prazer de caminhar.