Julia G 07/05/2012Anjo Negro - Mallerey Cálgara Resenha publicada originalmente no blog http://conjuntodaobra.blogspot.com
- Ora! Ora! Ora! Veja só quem eu encontrei!
- Pai? O que você está fazendo aqui? Estava pensando no senhor e em casa...
- Não se iluda Darian, não é seu pai - disse Hadji, com voz firme.
- Hã? então quem é?
[...]
- Eu posso fazer com que você veja sua mãe pela eternidade, ou pela dela, tanto faz!
- Como?
- Apenas aceitando o que você é, um anjo negro. [...] Dê todas as almas recolhidas nessa caixa para Cérbelo, o cão de três cabeças que vigia a porta do inferno, em troca da alma de sua mãe. Apenas dez mil almas simples, comuns, por uma especial, uma troca justa.
Darian nasceu numa época em que a peste negra tomava a Europa, e a quantidade de mortes era assoladora. Filho de um médico com um anjo que se tornou humana por ir contra as regras divinas e ter se apaixonado, o garoto tinha passagem livre pelos dois mundos. Sua mãe se suicidou quando ele ainda era garoto, o que deixou aos homens e aos anjos entristecidos. Essa alma não poderia ser salva, e precisava sofrer das dores do suicídio pelo tempo que sua vida deveria durar.
Seres de outro mundo, invisíveis aos olhos humanos ou na pele de um comum, habitavam também a Terra. Enquanto os Potestades auxiliavam as almas e as encaminhavam ao descanso, também eram incumbidos de mandar os devoradores de almas, Parasitas, de volta ao lugar de onde nunca deveriam ter saído. E quando Darian tem contato com esse mundo oculto, recebe uma proposta do Arcanjo Gabriel: auxiliar dez mil almas, e oferecer um alívio à pena de sua mãe.
Mas Gabriel não era o único a oferecer um acordo a Darian. Iblis, o senhor dos infernos, diz que se essas almas forem entregues a ele e Darian assumir sua natureza como um Anjo Negro, sua mãe seria salva. Para tentar ajudar sua mãe, Darian parte em sua jornada, contando sempre com Hadji, seu anjo da guarda.
Com uma narrativa envolvente e um enredo bem construído, Mallerey Cálgara fez de Anjo Negro uma ótima leitura. A história bem ambientada, mostrava as imagens de uma Inglaterra antiga, inclusive com nomes condizentes para os personagens. Conseguia até imaginá-los em vestimentas antigas, o que contou muito a favor da obra. Um detalhe que estranhei foi que algumas vezes a narrativa mudava para o tom de um diário, onde os personagens faziam observações próprias sobre os fatos e sentimentos, mas apenas a mudança abrupta incomodou, esse tipo de narração ajudou também a ficar mais próxima dos personagens. Além disso, me deparei algumas vezes com termos usados pelos personagens que eram inadequados à epoca, o que tirou um pouquinho do brilho da ambientação.
O aspecto que mais fundamentou toda a obra, em minha visão particular, foi a mistura de crenças. Um pouco de mitologia, um pouco de cristianismo, e muito de espiritismo. Os anjos, principalmente a citação de Gabriel, mostravam conceitos católicos; os infernos pareceram incrivelmente mitológicos, com o barqueiro do inferno e Cérbero, o cão de três cabeças que servia como guardião, que também foram citados em O Ladrão de Raios, da série Percy Jackson; o umbral e a colônia são nitidamente conceitos espíritas, que podem ser vistos mais claramente no livro e no filme Nosso lar. Essa mistura, entretanto, não se contrapôs durante a história, e ainda permitiu que essa fosse mais complexa e bem desenvolvida.
Os personagens foram bem construídos e colocados, inclusive com capítulos específicos para citar como cada um apareceu na vida de Darian. O próprio protagonista mostrava suas forças e seus anseios desde o início, sua humanidade, e não foi tão facilmente que aceitou todo o mundo oculto com o qual se deparava, o que deu mais credibilidade a tudo. O amor despertado foi fofo e puro, dava para ver os olhos brilharem... só achei um pouco fraca a argumentação de como se desenvolveu esse sentimento, já que pareceu ter surgido do meio do nada.
Além disso, o mistério sobre o anjo negro ficou um pouco de escanteio durante o andamento do livro, o que deixou o andamento da história meio vago, já que acreditei ser esse o ponto central da mesma. Enquanto isso acontecia, mostrou-se muitos casos de como Darian ajudava as almas perdidas, contando detalhes de vários deles, o que pode ter deixado o livro repetitivo por alguns momentos.
Para mim, infelizmente, não funcionou. Foi uma leitura agradável, que tratava de vários assuntos que me interessam, mas não foi muito além disso. Não me empolguei com a história a ponto de querer ler mais e mais, e o final, que imagino ter sido colocado da maneira que foi para deixar qualquer leitor morrendo de curiosidade, só me deixou com pena de Darian, mas sem vontade de ler a continuação. Talvez no momento em que o li não estivesse no clima para algo do tipo, mas é importante ressaltar que vários leitores adoraram o livro e que a leitura pode passar impressões diferentes para cada um.