thomas 30/11/2022
cinco estrelas + um coração.
"Estava completamente a mão dos outros. O problema era meu; quem sofria e sabia do que se passava dentro de mim, era eu. No entanto, era uma equipe multidisciplinar 'especializada' que decidiria o que eu era, como me sentia"
- João W. Nery
4 anos. Eu levei 4 anos para ler esse livro. Iniciei aos 13, cheio de medos e inseguranças... Terminei agora, aos 17 anos, com um RG no meu nome e um pai me chamando de "meu filho lindo".
Não pense que sou preguiçoso ou que não tinha interesse de ler essa obra, muito pelo contrário, vibrei de felicidade quando achei esse livro perdido em uma banca perto de casa. Entretanto, toda vez que lia um capítulo, era como um soco no estômago capaz de trazer à tona tudo que sempre tentei reprimir.
Consolador na mesma medida que angustiante, na primeira parte do livro, João descreve o processo de auto-descoberta, um dos momentos em que mais chorei. Parágrafos no qual dizia sobre se sentir menos sortudo que um morador de rua, porque aquele sim, era um "homem de verdade", me fizeram fechar o livro e não tocar nele por meses. O "orgulho trans" é real, não tenho vergonha do que sou, mas a disforia não pode ser ignorada, e João não só explica como ele lidou com a dele, mas descreve todo o processo de viver apesar de.
Na segunda parte, após se descobrir, vem o momento: sair do armário para família e sociedade. Aqui eu senti raiva. Não fiquei triste, senti foi repulsa pelo ser humano, jurei ódio eterno a sociedade cis-normativa. Diferente de mim, Nery lidou com todo o tipo de transfobia da maneira mais honrosa possível. Ele não só entendeu quando alguns familiares se afastaram, como também os recebeu de braços abertos em seus envergonhados retornos. Outro momento de transfobia descarada que me fez chorar durante um bom tempo, foi a recusa do laudo médico para começar o processo de transição. Aqui meus amigos, foi quando senti vontade de me rasgar inteiro, me virar do avesso e desaparecer. Experenciei todos os relatos, senti todas as suas tristezas e felicidades, talvez seja por isso que esse livro tenha sido tão dificil de ler.
Viagem Solitária fala com uma exatidão dolorosa sobre a vivência trans e como ela é, de fato, devastadoramente, solitária. Eu tenho uma rede de apoio formidável, meu pai escolheu meu nome social, meu irmão me chama de "mano" e minha irmã sempre me escuta chorar (ou gritar) quando a transfobia desse mundo me toma a sanidade... porém, de trans para qualquer outro trans que esteja lendo, a solidão é F*DA.
Fico feliz de poder ter lido esse livro, apesar de resenha nenhuma seja capaz de descrever a montanha russa de emoções que senti em cada parágrafo, cada palavra. Obrigado.