Stella F.. 13/09/2022
Aninha e seus causos
Vintém de Cobre – Cora Coralina – Editora Global – 2007
Temos em Cora Coralina uma poetisa tardia, apesar da publicação de um conto aos 14 anos. Nascida Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas na cidade de Goiás em agosto de 1889, casou-se e teve 4 filhos e posteriormente foi para São Paulo e só retornou para Goiás após 45 anos. Nesse meio tempo foi doceira.
É uma contadora de casos, uma tradição de sua cidade natal, antiga Villa-Boa de Goyaz, que foi capital do Estado. “O “contar casos” se constitui numa tradição familiar de nossos ancestrais que Cora Coralina faz reviver em sua obra com toda pujança de seu poder criador.” (pg. 7)
Como já dizia Carlos Drummond de Andrade: “Na estrada que é Cora Coralina passam o Brasil velho e o atual, passam as crianças e os miseráveis de hoje. O verso é simples, mas abrange a realidade vária.” (pg. 8)
Em seu livro Vintém de Cobre vamos conhecer um pouquinho da infância da poetisa, a falta de amor por parte de sua mãe, suas dificuldades no aprendizado e em consequência sua homenagem à mestra Silvina que abriu às portas das letras para a menina que todos achavam desenxabida, feia, sem jeito, molenga, associada sempre ao pai doente que morreu. “Foi pela didática paciente da velha mestra que Aninha, a menina boba da casa, obtusa, do banco das mais atrasadas se desencantou em Cora Coralina.” (pg. 18)
Mesmo com todos esses complexos e a falta de amor da mãe (sendo acolhida apenas por Tia Nhorita e sua bisavó), ela não desistiu, encontrou o seu caminho, o seu lugar ao sol, e foi vivenciando a natureza, o seu amor aos bichos e plantas, sua observação por tudo que estava ao seu redor, e por fim, mesmo sendo criticada e mal-vista por todos, casou-se e foi ganhar o mundo, só retornando bem mais tarde à sua cidade natal. Ela nos ensina que todos merecem uma redenção, uma oportunidade, que todos são importantes no desempenho da vida, desde o carroceiro, o plantador, o prisioneiro, todos somos humanos e passíveis de erro, e, portanto, de se arrepender e voltar a tentar ir pelo caminho certo.
Um assunto também muito caro à poetisa eram os castigos infantis, onde se sentia humilhada na frente dos adultos e na forma de versos vem uma crítica a essa educação que era exaltada como uma boa criação. “Esta senhora sabe criar os filhos... Isso se dizia quando da notícia de uma tunda de taca, dessas de precisar panos piedosos de salmoura, corretivos de faltas infantis de que a criança não tinha consciência. Humilhação maior, domínio sobre a criança, esta era não raro amarrada com fio de linha na perna da mesa, o sadismo sobretudo, da mãe. Não amarravam o menino traquinas, levado, dobravam a personalidade da criança.” (pg. 103)
Os versos são simples, muitas vezes parecem uma prosa tradicional, mas são belos e apresentam lições imprescindíveis para a vida. E não só de sofrimento é a poesia de Cora Coralina. Ela exalta sempre a Universidade, a Educação, O Professor, cobra atitudes dos governantes, acredita que o presidiário que trabalha vai ter um futuro e clama por providências em relação ao Nordeste (Os apelos de Aninha pg. 192). Enfim, ela está presente em todas as frentes. Depois de passear por todo seu sofrimento e suas conquistas escolhi os seguintes poemas como preferidos: Semente e Fruto; A Gleba me Transfigura; Aninha e suas Pedras; Ofertas de Aninha; Confissões Partidas; Exaltação de Aninha (A Universidade); Exaltação de Aninha (O Professor); Os apelos de Aninha; Bem-te-vi..Bem-te-Vi; O Poeta e a Poesia e Sombras. Mas recomendo a leitura de Menina Mal-Amada para entender melhor todo o sofrimento infantil de Aninha.
Enfim, foi uma delícia conhecer o universo dessa nossa poetisa consagrada!