Nica 27/08/2012Um faroeste atual de tirar o fôlegoTerra Ardente é o segundo livro publicado da autora gaúcha Janice Diniz, através do selo Desfecho Romances, da Editora Multifoco.
Primeiro volume da trilogia Matarana – Os verdadeiros caubóis estão no cerrado, Terra Ardente nos conta a história da cidade que dá nome à série através de seus cidadãos, em especial:
- Karen Lisboa, dona de um condomínio de bangalôs à beira da falência, morava com sua avó e seu filho Johnny. Tem fama de Vaca Louca na cidade. Endividada até o pescoço, não se rendia aos poderosos para poder “diminuir suas dívidas”. No entanto, adorava andar a cavalo e preservar sua origem faroeste, não aceitando ser dominada por homem algum, mas no fundo querendo experimentar o verdadeiro amor, que nunca sentira com o pai de seu filho – que os abandonou. Por conta disso, preservava seu coração, transando no máximo três vezes com cada homem, não se deixando envolver além disso, até certo acontecimento.
"Então o mundo em que ela vivia, ruiu. E a rejeição ateou fogo no seu sangue como um maldito rastro de combustível nas veias, espalhou-se, consumindo-a de uma forma avassaladora. Rejeitada, ela o quis. E saber que o queria a tornou desesperada e infeliz. Porque já não mais o tinha. Nunca o teve. Assim, o sangue que ardia em chamas nas principais artérias de seu ser, explodiu. "
- Nova Monteiro, uma jornalista em busca de reconhecimento e amor que dividia apartamento com o médico pediatra Chris – seu melhor amigo, por quem nutria uma paixão impossível. Chris foi traído por sua (ex-)mulher com o ex-marido de sua melhor amiga quando moravam em BH. Mudaram-se para Matarana para fugir da dor e se reinventarem. Além de jornalista, a sonhadora Nova canta algumas noites por semana no Bar do Gringo. Por conta de um artigo um tanto quanto provocador e perigoso, Nova acaba contratada por Thales Delejal para escrever a "verdadeira" história da colonização da cidadela. Acaba se envolvendo, depois de dar um ultimato a Chris - que só queria a amizade confortável da doce e forte jornalista -, com o capanga mais improvável e, ao mesmo tempo, que se mostra carente de atenção e super doce. Uma das personagens mais fortes e que mais amadurece ao longo de Terra Ardente.
- Thales Dolejal, fazendeiro poderoso que usa disso para conseguir o que quer, amante (que se torna ex) de Karen, nutre por ela uma paixão doentia, chegando a mandar investigarem a mesma a fim de descobrir se ela dormia com outros. Descobre que tem um filho, Franco, que é seu fiel capanga e que também dormira, uma única vez, com Karen. Aliás, Dolejal mandou matar ou assustar todos os homens que se envolveram com ela (quinze, se não me falha a memória), pois cansou de ser corno publicamente. Com um perfil extremamente possessivo e vingativo, contrata um matador de aluguel para dar cabo de sua amante e seu próprio filho, desiste da ideia quase sendo tarde demais.
- Rodrigo Valverde, o delegado viúvo e LINDO, com pulso para tudo e todos, menos para os encantos de Karen. Fora casado com Jasmine, que se tornara grande amiga de Karen, mas que odiava a vida naquele fim de mundo. No dia em que sofreu o acidente que levou à sua morte, tinha pedido o divórcio ao marido; ninguém ficou sabendo disso, nem sua irmã Valéria e sua sobrinha Sabrina - ambas moravam com ele. A única que ficou sabendo do pedido foi Karen. Rodrigo protegia as duas grandes personagens da trama: sua paixão secreta Karen e a doidinha da Nova. E já posso adiantar que foi fator essencial na mudança de uma delas...
"Através do reflexo do vidro da cozinha, ela via o rosto dele, os olhos brilhando, o cabelo castanho claro cortado como o de um executivo. Conhecia aquele olhar assim como conhecia aquele homem.Mas nunca seria fácil entre eles. Tentou ignorá-lo e concentrar-se em lavar a louça da manhã. Podia oferecer-lhe um café, um copo de uísque ou um pedaço do seu coração."
Que personagens, não?
Dominada (e disputada) pelos inimigos Thales e Marau – o outro fazendeiro colonizador que ganhou força também por sua maneira nada agradável de intimidar e de conseguir o que queria (ainda que tivesse que matar – sem sujar as próprias mãos), Matarana é uma cidade latifundiária de 32 anos de emancipação, com características similares à colonização dos EUA (que foram "criados" pelos Pilgrims - peregrinos ingleses fugindo de opressão sócio-religiosa).
A autora Janice Diniz realizou, com certeza, excelente pesquisa histórica. O livro é de uma riqueza em detalhes, mas sem ser chato ou cansativo. Vamos conhecendo a história de Matarana aos pouquinhos e através das personagens e suas experiências, tomamos conhecimento das diferenças sociais e da exploração do trabalho quase escravo (em troca de migalhas), encontrando uma sociedade que muito nos lembra o sistema feudal do século IV, com pequenas diferenças apenas.
E esse fator histórico foi uma das coisas que mais me chamou atenção, além da construção das personagens femininas como mulheres de pulso e não aquelas bobocas que estamos acostumados a ver por aí...
“Matarana é um vespeiro enevenenado. Só que quando a gente é picado não morre por causa do ferrão; a gente se torna outra vespa e passa também a espalhar o veneno.”
Matarana é uma terra de homens onde as mulheres se destacam. São elas as verdadeiras "donas da parada", apesar de os poderosos fazendeiros acharem que têm o domínio em suas mãos. Karen e Nova, mulheres de temperamento forte, mas doces são as grandes protagonistas de Terra Ardente, que levam o livro em suas experiências muito bem e que nos cativam.
Nova me irritou um pouco no começo com sua paixonite desenfreada, mas sua transformação é impressionante. A autora consegue fazer as personagens darem a volta por cima. A transformação, desconstrução e reconstrução dessas personagens é incrível e habilmente desenvolvida por Janice.
Narrado em terceira pessoa, a escrita de Janice Diniz nos prende do começo ao fim, não nos dando vontade de largar o livro, mas tendo que para poder sorver mais dessa maravilhosa história de autoconhecimento e de renascimento, de amores e desamores, de amizades construídas e redefinidas.
Resenha postada oficialmente no blog Drafts da Nica (Cópia parcial ou total somente mediante autorização, ok?!)
http://nicasdrafts.blogspot.com.br/2012/08/bt-resenha-um-faroeste-atual-de-tirar-o.html