Lauraa Machado 22/04/2020
Definição de potencial desperdiçado
Este livro é feito de ideias brilhantes, execuções medíocres, furos de enredo e potencial desperdiçado. A cada curva da história, eu pensava em algum rumo incrível que ela poderia tomar, mas nunca tomava. A ideia da seleção é tão boa, que já escreveram milhares de fanfic baseadas nela, e é triste pensar que a mais básica e fraca é a original.
Essa resenha está vindo depois de uma releitura. Quando li pela primeira vez, me apaixonei pela ideia, mas senti tanto que faltava alguma coisa, faltava muita coisa, que até comecei a escrever meu primeiro livro com a intenção de suprir essa expectativa que tinha criado e só servido para decepção com A Seleção. É uma história okay, mas é revoltante pensar em como poderia ter sido excepcional e excelente, mas acabou sendo só aceitável, e quase nem isso.
Minha nota de três estrelas é bem generosa. America Singer é uma personagem bacana até, mas é extremamente bidimensional, ainda mais para uma narradora. Os outros, então, são ainda mais rasos. Maxon, vou admitir, não me conquistou em nada nessa releitura. Ele é tão qualquer coisa, tão difícil de identificar e caracterizar. No final, sua personalidade estava um pouco mais firme, mas durante dois terços do livro, ele poderia ser qualquer pessoa e desaparecer que eu não sentiria falta. Fica bem difícil torcer para ele por aqui. Aspen, em compensação, tem bem mais personalidade e é bem mais interessante!
Eu só queria ter visto o momento em que ele e America se apaixonaram, teria sido mais fofo e me faria torcer mais por ele. Exatamente agora, pelo final do livro, não parece ter nada guardado para o segundo, nada que valha mesmo a pena ler e descobrir, e eu não me importo muito com quem vai ficar com quem. Tanto faz, sabe? Para tudo nessa história.
A criação do mundo aqui é abismal. É a parte de furos. Um país que vai do que é hoje o Panamá até o Canadá, mas que é dividido em trinta e cinco províncias (quando os EUA sozinhos são divididos em 50 estados, a maioria bem grande) já seria pouco convincente, mas com províncias, aliás, que parecem ter o tamanho de uma cidade, ficou pior ainda. É uma coisa incrível como existe um único Service Post em cada província, quando elas têm um tamanho bem maior que um estado normal. Tem tanto furo aqui, que nem tenho paciência para explicar.
Acho que a autora não tinha a menor noção de geografia ou política, o que se mostra tanto na criação de Illéa, quanto no jeito que o país é governado. O fato de o castelo receber sei lá quantos ataques rebeldes por mês e não haver uma única pessoa ali dentro que tem a inteligência básica de pegar alguém para interrogar e descobrir os motivos deles, quem são, qualquer coisa sobre eles é preocupante. Que tipo de governador é esse rei? Além disso, o Maxon criou uma "solução" para um problema do país que, apesar de ser melhor do que eles têm no momento, fiquei um pouco abismada pela autora, que vive no mundo real no qual essa "solução" mal é um band-aid para o problema, achar que seria tão revolucionário assim.
A ideia de uma sociedade separada em castas é boa, mas pensar que isso aconteceu depois de sei-lá-quantas guerras e que "não sobrou quase nenhuma tecnologia de hoje em dia" é praticamente ridícula. Uma vez que uma tecnologia é inventada, é quase literalmente impossível escondê-la. Teria sido mil vezes melhor se a autora tivesse criado um universo diferente, em que o mundo não tivesse avançado tanto, e que a história se passasse em um país menor, com uma sociedade que fosse pelo menos um pouco mais plausível.
Meu sonho seria ter sido a agente literária da Kiera Cass, para pegar essa ideia incrível e transformar em um livro que a mereça. Minha última esperança são os roteiristas do filme enriquecerem a história com todo o potencial dela. Vou continuar minha releitura da série toda, mas a verdade é que o livro deixa a desejar desde o começo. Assim que ela chega no castelo, tudo fica ameno e sem graça. Nem é questão de ser previsível, porque nada relevante acontece direito.
Recomendo só se você gostar bastante de romance, ser bem fácil de convencer e não se importar muito com enredo. De preferência, que você não se anime demais com a sinopse, porque isso só vai te fazer criar expectativas que serão frustradas o tempo todo. Tinha tudo para ser perfeito, mas acabou sendo só uma decepção.