spoiler visualizarCarlos.Lyra 11/04/2020
Investigando a base neurobiológica da mente
Na atualidade, a investigação sobre a base neurobiológica da mente
humana privada é realizada em duas etapas: 1) observação e mensuração,
num experimento, das ações de um determinado sujeito ou do relato da
experiência interna fornecido na perspectiva de primeira pessoa, ou ambos
os procedimentos em conjunto; e 2) relação entre os dados obtidos em
(1) e a manifestação medida de um determinado fenômeno neurobiológico,
seja no nível molecular, neuronal, de circuitos neurais ou de sistemas
de tais circuitos (DAMÁSIO, 2000). Assim como ocorre com outros neurocientistas,
ao seguir esses procedimentos, Damásio se compromete com o
pressuposto de que os processos mentais ? incluindo a consciência ? são
baseados na atividade do cérebro, sendo este último ?parte de um organismo
integral com o qual ele interage continuamente? (DAMÁSIO, 2000, p.
116). Ele também aceita a ideia de que os seres humanos, embora possuam
características individuais, são biologicamente semelhantes no que diz respeito
à estrutura, organização e função de seus organismos 1.
Embora, em geral, Damásio realize estudos sobre a base neurobiológica
da mente seguindo as etapas acima mencionadas, é importante
lembrar que sua formação médica é em neurologia. Como clínico, portanto,
ele utiliza mais especificamente o método de estudo das lesões neurológicas,
que consiste em: 1) investigação metódica do comprometimento
do comportamento de seres humanos com algum tipo de doença neurológica
(causada por lesão cerebral e/ou disfunção cerebral seletiva); 2) associação
de (1) com o comprometimento de estados mentais (cognição);
e 3) relação de (1) e (2) com uma determinada área de lesão cerebral
circunscrita ou com um registro anormal da atividade elétrica do cérebro
(através de eletroencefalograma, de teste de ondas cerebrais ou de exames
de imagem como o PET-Scan ou o fMRI). Assim, ao distinguir os procedimentos
(1) e (2), Damásio (2000) acaba por defender a ideia de que,
embora comportamento e estados mentais possam estar correlacionados,
mente e comportamento são coisas diferentes. Portanto, o confronto
entre os dados obtidos a respeito da mente privada, do comportamento
público e do funcionamento cerebral de um determinado organismo permite
a elaboração de hipóteses a serem testadas experimentalmente, que
podem ser corroboradas, rejeitadas ou modificadas à luz de certa teoria.
Não obstante a importância de uma abordagem científica acerca
da consciência que integre as três perspectivas acima relatadas (quais
sejam: a perspectiva de primeira pessoa, os comportamentos externos e
os eventos cerebrais), Damásio (2011) também acrescenta uma quarta
perspectiva: a busca pela origem do self e da consciência no passado evolutivo
dos organismos. Isso requer um estudo sistemático das sucessivas
modificações no sistema nervoso de diferentes espécies ao longo do processo
evolutivo, enfatizando a emergência do comportamento, da mente
e do self. Para realizar tal estudo, é necessário partir da hipótese de que
eventos mentais equivalem a certos tipos de eventos cerebrais ou, em outras
palavras, que alguns padrões neurais se apresentam simultaneamente
como imagens mentais (DAMÁSIO, 2011).
Lyra, C.E.S. Consciência e sentido do self na obra de António Damásio. Em:
Araújo, A.; Correia, A.; Ghiraldelli Jr., P.; Leclerc, A.; Mograbi, G. Pragmatismo, filosofia da
mente e filosofia da neurociência. Coleção XVII Encontro ANPOF: ANPOF, p. 414-416, 2017.