willian.coelho. 30/01/2021
Não excepcional, mas funcional
“Deixe o quarto como está” é a segunda obra do contista gaúcho Amílcar Bettega Barbosa (possui 3 livros de contos, 1 romance e participa de várias antologias). É formada por 14 contos do estilo realismo fantástico - que mescla elementos reais (como ambientes e personagens) a outros incongruentes. São situações que, para aquela dimensão proposta pelo autor, são coerentes, embora envoltas por uma atmosfera onírica. Os enredos têm uma conotação cerebral, parece que há uma mensagem a ser transmitida; em uma entrevista, contudo, o autor dá a entender que aquilo não foi previamente pensado, não se trata de uma alegoria. Ele também afirma que seus textos estão relacionados, formando uma unidade e, portanto, para ele, um livro de contos não pode ser dessinérgico.
Algumas tramas são kafkianas (“O crocodilo 1 e 2”, “O rosto”), outras se aproximam mais da realidade (“Aprendizado”, “Para salvar Beth”). Além disso, conquanto a narrativa em primeira pessoa é a mais prevalente, dois contos são em terceira pessoa (“Autorretrato”, “O encontro”). Ou seja, de fato existe uma unidade quanto aos elementos fantásticos e reais, porém os tons de cada termo variam bastante. A linguagem empregada é simples e universal, sem excesso de rebuscamento e marcas tradicionalistas gaúchas (tão intrínsecas ao falatório e à escrita dessa população).
O escritor é bastante premiado; todavia, em uma busca simples pela internet, observa-se um misto de apreciação com descontentamento para com esta obra. A maioria das pessoas foca suas críticas na ausência de exposição de que o autor se vale, e isso, certamente, é oriundo das leituras de péssima qualidade desse público. É deveras corriqueiro que os indivíduos criem uma espécie de “estrutura de enredo ideal” e, com isso, acabam repudiando todo o resto. Existem muitas formas de literatura e cada uma deve ser lida dentro do seu contexto e da sua proposta: obviamente não se pode traçar uma comparação entre uma epopeia e uma prosa moderna. Infelizmente, a literatura está, assim como inúmeras outras formas de arte, se deteriorando: o público, cada vez mais embotado por horas nas redes sociais, busca narrativas rasas e com exposição barata.